
O hyperloop, transporte por cápsulas dentro de tubos eletromagnéticos a vácuo e movido à energia solar, teve seu estudo de pré-viabilidade no Rio Grande do Sul apresentado no final de agosto pelos responsáveis e o objetivo agora é buscar um grupo de empresários para tentar começar a obra.
Ainda não é possível precisar uma data inicial pelo fato de que outra meta também é realizar novos projetos nas áreas ambiental e de engenharia para aprovação do modal pelas autoridades. Para isso, o governador Eduardo Leite está visitando nesta sexta-feira (8) o Centro de Desenvolvimento e Pesquisa da HyperloopTT, empresa responsável pelo empreendimento, em Toulouse, na França.
Enquanto segue em tratativas a segunda parte da implementação do chamado "trem ultrarrápido", GZH teve acesso ao relatório completo já apresentado parcialmente e que revela muito mais do que um deslocamento de apenas 19 minutos entre Porto Alegre e Caxias do Sul, por exemplo, que são duas das quatro cidades que teriam estações para pessoas e carregamento de cargas. Se aprovado, o sistema prevê um traçado de 135,7 quilômetros, sendo 18,2 deles em túneis.
A ideia de uma estação futurística na Capital já foi proposta, na área do antigo terminal do aeroporto, e em Gramado, outro município envolvido, seria em um espaço subterrâneo no centro da cidade. Com a sugestão de uma tarifa máxima de R$ 115, o também chamado "avião sem asas" passaria ainda por Novo Hamburgo, com previsão de 11,2 milhões de usuários ao ano a partir de 2026 em toda extensão da rota. A velocidade máxima no Estado seria de 835 km/h.
O estudo de pré-viabilidade, apresentado e realizado por meio de uma parceria entre a HyperloopTT, empresa norte-americana, governo gaúcho e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi, na verdade, a terceira etapa neste ano para a realização do transporte considerado autossustentável e sem custos para o Executivo estadual.
Em janeiro, ele foi anunciado e em meados de junho estava sendo aplicada uma pesquisa sobre a opinião da população no Estado. Com a conclusão do estudo de viabilidade divulgada em agosto, o diretor-presidente da empresa para a América Latina, Ricardo Penzin, disse que a meta, a partir deste período, é realizar reuniões com empresários interessados na execução da obra, inclusive do Rio Grande do Sul.
Penzin afirma que já há grupos interessados, mas as tratativas são mantidas em sigilo e somente serão divulgadas quando houver um acordo firmado. Contudo, os professores da UFRGS e responsáveis pelo estudo, Christine Nodari e Luiz Afonso Sena, disseram que a implementação em si ainda depende de autorização governamental.
Enquanto Christine ressalta que a elaboração de uma análise ambiental leva pelo menos três anos para depois ser apresentada ao Executivo, Sena cita a realização do projeto de engenharia por onde os tubos irão passar. Segundo ele, neste caso, como envolve municípios interligados dentro do Rio Grande do Sul e não sendo uma concessão, a licença de instalação cabe ao governo gaúcho e será semelhante ao que já se autorizou para a rede ferroviária.
— O governo não tem objeção à implementação, não é serviço delegado ou concessão, mas a autorização e procedimentos são do Estado e ainda dependem de regramentos, como licenças ambiental e de engenharia — explica Sena.

Demanda de passageiros
Segundo a professora Christine, o projeto inicial, que acenou como viável financeiramente o hyperloop, foi baseado na pesquisa feita com os gaúchos e, principalmente, em dados socioeconômicos recentes, volumes de tráfego, entre outros, projetando um período entre 2026 e 2050. Sobre a demanda, o cenário base foi o de 2019 para ser referência da projeção.
— Consideramos dados sobre área de estudo, contagem de tráfego, mais dados de origens e destino que existiam, fizemos uma pesquisa de preferência e, com base nisso, se criou uma matriz de origem e destino para se chegar em um modelo de projeção de demanda de passageiros e cargas também — detalha Christine.
No gráfico, é possível notar a demanda de origem de cada cidade, como originária do carro e do ônibus, tendo ainda pessoas que sairão do trem em Novo Hamburgo e Porto Alegre, por exemplo. Essa é a demanda normal, que se prevê um total de 6,8 milhões de usuários ao ano em 2026.
Tem ainda uma parcela induzida, que são pessoas que querem conhecer o novo modal, entre outros fatores, bem como a demanda de turistas — por isso a sugestão de se ter uma estação na Capital no antigo terminal do aeroporto e mais uma em Gramado. O número estimado é de 2,2 milhões para daqui cinco anos.
Foi projetada ainda a demanda proveniente de negócios imobiliários, com a probabilidade de empreendimentos no entorno das quatro estações, mas com destaque para Novo Hamburgo e Caxias do Sul, onde ficariam em locais mais afastados de áreas centrais e com potencial de construções de imóveis, tanto comerciais quanto residenciais. Seriam 600 mil pessoas em 2026 viajando pelo hyperloop em função disso e, somando todas essas demandas para daqui a cinco anos, o total previsto é de 11,2 milhões, ou seja, quase 1 milhão por mês.

Se passageiros seriam transportados pela manhã, tarde e boa parte da noite, no final do dia e na madrugada seria a vez do transporte de cargas. O estudo prevê a condução de produtos de médio e pequeno portes que necessitam de pronta entrega, principalmente por meio do e-commerce.
O presidente do Sindicato dos Transportadores de Cargas do Estado (Setcergs), Sérgio Gabardo, disse que, todo transporte, se modernizado, é importante:
— Em um primeiro momento, acredito que o transporte de carga será valorizado no sentido da rapidez e da logística.
Tarifas
O estudo apresentou a questão da chamada tarifa ótima para a viabilidade do sistema, que é de até R$ 115. Ou seja, esse é o valor máximo estimado para maximizar a receita do sistema e viabilizá-lo financeiramente. Não quer dizer que seja a tarifa a ser praticada o tempo inteiro, já que estão sendo previstos pacotes especiais para as viagens com tarifas embutidas em outros lugares, como a passagem de avião de alguém que virá para Porto Alegre e depois viajará para Gramado.
Segundo Christine, foram previstas ainda tarifas para usuários frequentes, já que R$ 115 não é um preço razoável para alguém ir trabalhar todos os dias na Serra e voltar para a Capital.
— Esse valor é mais compatível para quem for viajar uma vez a cada dois meses, aproveitar um feriado ou para turistas que farão apenas uma viagem momentânea por ocasião da temporada de férias, por exemplo. Planejamos e, isso tudo conforme modelos de previsão com base em pesquisa com a própria população, valores mais acessíveis também para grupos, idosos, criança, entre outros — explicou a professora da UFRGS.
O engenheiro e doutor em transportes João Fortini Albano diz que é preciso considerar um aspecto importante quando a empreiteira for escolhida. Segundo ele, há uma grande parte do percurso em região serrana, com aclives e declives, o que pode elevar o custo da obra na hora do projeto final e, ainda mais, podendo incidir no valor final da tarifa.
— Os potenciais usuários estariam dispostos a pagar uma tarifa cara, já que tem alternativa de custo bem menor de carro com mais pessoas para dividir e mesmo de ônibus, porém, com um tempo maior? Não sei, tenho minhas dúvidas quanto à existência de uma demanda compatível com o nível do investimento — avalia Albano.
Cápsulas
As cápsulas, de 20 toneladas e com 2,6 metros de altura, são movidas de forma eletromagnética em tubos a vácuo e por meio de energia solar. Elas podem transportar entre 30 e 50 pessoas, saindo uma atrás da outra com intervalo mínimo de 40 segundos. No lugar das janelas, as cápsulas vão ter telas com inteligência artificial, podendo ser escolhida qualquer imagem ou até mesmo interagir com a tela como se fosse um celular.
— Em termos de segurança, é um avião sem asas. Ela é segura e tem os mesmos sistemas de pressurização, segurança e entretenimento de um avião. A diferença, costumo brincar, é que, se parar, não cai. A gente tem ainda todas as tecnologias possíveis, inclusive de segurança biológica dentro da cápsula para evitar disseminação de doenças — explica Penzin.

Traçado
São 135,2 quilômetros entre a Capital, passando por Novo Hamburgo e Gramado, até Caxias do Sul. Desse total, 117 quilômetros são trechos de elevação, sendo ainda, 18,2 em túneis. Os dois maiores são mais longos e mais profundos: um de 2,5 quilômetros que passaria por baixo de Gramado e outro de 9,12 quilômetros entre o município e Caxias do Sul. Neste caso, a UFRGS indicou que será usada a tecnologia tunnel boring machine, que são máquinas conhecidas no Brasil como "tuneladoras". Ao mesmo tempo que o solo é perfurado, o equipamento traz o material escavado através de uma tubulação com hélices para descarte na superfície. Há ainda outros 6,5 quilômetros com pequenos túneis, com menor profundidade, que serão abertos e fechados posteriormente da forma tradicional.
A professora Christine ressalta também que os tubos do hyperloop podem ser colocados às margens de rodovias — principalmente na saída ou chegada em Porto Alegre via Novo Hamburgo, passando em outros pontos por cima de rios ou açudes. No entanto, tudo dependerá do projeto final da obra e da empreiteira a ser escolhida para executá-la, levando em conta custo e demanda. Além disso, o projeto inicial, em relação a questões ambientais, já definiu que serão evitadas áreas de preservação ou até mesmo alagadiças.
A ambientalista Lisiane Becker diz que ainda tem dúvidas enquanto não tiver um projeto ambiental aprovado, ressaltando que o Conselho Estadual de Meio Ambiente poderia já ter sido consultado. Ela ressaltou que não pode ocorrer uma interferência mais drástica em vegetação, fauna e recursos hídricos.
— O traçado envolve um trecho de Mata Atlântica, ou seja, um lugar com espécies ameaçadas de extinção e que só existem naquele lugar e com muita pressão antrópica, pressão humana de destruição. Portanto, temos uma legislação bastante específica para uma área degradada e precisamos deste ambiente porque 70% da população do Brasil utiliza recursos ou vive deste bioma formado por vários ecossistemas — explicou Lisiane.
Estações
O que foi apresentado até agora é uma sugestão de modelo e de possíveis áreas, sempre definindo uma região, não um local em específico, mas tudo de acordo com dados coletados e pesquisa realizada ente os gaúchos. Christine ressalta que somente com o projeto de execução, após a definição da empresa que irá executar a obra em alguns anos, será possível detalhar os pontos exatos das estações.
— A estação de Porto Alegre, por exemplo, pode-se dizer que foi um bônus, por isso definimos uma área mais precisa, um design, que poderá ou não ser adotado, bem como usado nas outras estações, além de metragens — diz.
Na Capital, a estação seria junto ao terminal antigo do aeroporto, já pensando na demanda do turismo e no transporte de cargas. A área seria de 55 mil metros quadrados, sendo 20 mil metros quadrados para uso dos passageiros. Contudo, a Fraport, empresa que administra o Salgado Filho, destacou que ainda não foi comunicada da informação. Christine disse que isso será feito posteriormente e o local foi apenas uma sugestão inicial dentro de um estudo de pré-viabilidade técnica.
Em Gramado, a definição da área irá ocorrer posteriormente, mas a sugestão foi uma estação subterrânea na área central, com o objetivo turístico de que o passageiro, ao ir para a superfície, já esteja próximo de todas as atrações da cidade. O local ficaria em um dos dois grandes túneis do trajeto. Em Caxias do Sul e em Novo Hamburgo, são áreas mais afastadas do Centro, mas que facilitam o deslocamento pela rota, sem o prejuízo de ter que aumentar mais a distância, além de grande potencial imobiliário.
Em Novo Hamburgo, a estação ficaria a uns 10 quilômetros do Centro e justamente em uma área equidistante entre a cidade, São Leopoldo e Campo Bom. Já a estação de Caxias do Sul foi indicada no projeto inicial para ficar em um ponto bem no meio do atual trajeto entre a cidade e Farroupilha.

Análise financeira
Como o transporte foi considerado viável, no estudo inicial, a análise econômica e financeira previu custo total de U$ 7,7 bilhões. Christine detalha que foram determinados custos de capital (total de U$ 3,18 bilhões envolvendo infraestrutura, cápsulas, estações, entre outros) mais custos operacionais mensais até 2050 (como administração, manutenção, seguro, aluguéis, entre outros) e mais a receita vinda do transporte de cargas e de passageiros, bem como do aluguel de espaços publicitários e de lojas nas estações.
Uma outra questão envolvendo o setor imobiliário, ainda conforme o estudo, é a projeção de valorização avaliado em U$ 4,7 bilhões, principalmente no entorno das quatro estações do hyperloop. São empreendimentos em potencial que foram estimados.
Além disso, o sistema será autossustentável e com milhares de placas fotovoltaicas em todo trajeto, com capacidade para produzir energia solar superior ao que se prevê de consumo, tendo um grande excedente que poderá ser compensado junto às empresas distribuidoras. Outro parte do projeto destaca 50 mil empregos diretos na construção dos tubos.
O economista Aod Cunha avalia que é uma inovação tecnológica importante. Contudo, lembra que esse segmento de transporte e logística, sem subsídios do governo, se aprovado e concretizado, causará grande impacto na renda e no emprego, afetando a produtividade geral da economia gaúcha.

Municípios
No Vale do Sinos, a prefeita de Novo Hamburgo, Fátima Daudt, participou de uma videoconferência com Penzin, da HyperloopTT, para repassar dados públicos sobre o município nas áreas de economia e infraestrutura. Ela reforçou sua convicção quanto aos impactos positivos de uma estação hamburguense, tanto para a região quanto para o próprio negócio em si.
Em Porto Alegre, o secretário adjunto da Secretaria de Mobilidade Urbana, Matheus Ayres, diz que também houve um encontro com a participação do professor Sena, da UFRGS. Segundo ele, foi repassado o traçado proposto, bem como o local indicado para ser a estação, no aeroporto. Ayres cita que o estudo é de um projeto inovador que analisa todos os tópicos possíveis do investimento, contudo, ressalta que, por enquanto, foi apenas uma apresentação inicial.
O presidente da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul, Ivanir Gasparin, destaca que o novo transporte será importante porque tem energia solar, não é subsidiado, reduz tempo de viagem e evita acidentes.
O presidente do Sindicato Empresarial de Gastronomia e Hotelaria da Região da Uva e do Vinho, Vicente Perin, ressalta a importância do novo modal para o fluxo turístico, ainda mais com os problemas atuais nas estradas e a momentânea carência de um aeroporto melhor.
O prefeito de Gramado, Nestor Tissot, também confirma que foi procurado, mas apenas no início do estudo, porém, desconhece o projeto em sua totalidade. Ele diz que não teve ainda a oportunidade de debater sobre os detalhes propostos para o município, como túnel e escavações, assim como estação subterrânea e o impacto que as obras terão para a área central da cidade. Mas Tissot entende que é um transporte que irá agregar para aumentar o turismo.
O prefeito de Caxias do Sul, Adiló Didomenico, diz que este transporte será o futuro:
— Precisamos melhorar muito a infraestrutura da região e esse projeto faz parte disso.
* Colaborou André Fiedler