SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Com a suspensão das aulas presenciais provocada pela pandemia do novo coronavírus, grupos de pais têm se organizado para cobrar a redução ou suspensão das matrículas em escolas de elite de São Paulo. Apesar de as atividades escolares continuarem a distância, as famílias têm pedido descontos e até mesmo proposto corte de salário de funcionários.
As famílias argumentam que as escolas têm uma queda de custos sem a presença dos alunos nas unidades. No entanto, os diretores afirmam que as despesas que podem ter queda nesse período, como água e luz, são pouco representativas dentro do orçamento dos colégios, que chegam a investir 70% do valor da mensalidade com o salário de professores, coordenadores e demais funcionários.
Uma das primeiras escolas da cidade a suspender as aulas presenciais e montar uma estrutura digital para o período, a Móbile, em Moema, recebeu nesta semana um abaixo-assinado de pais solicitando desconto enquanto a modalidade a distância for utilizada.
"É de esperar que a escola tenha uma redução de custos e despesas variáveis durante o período de crise, tais como iluminação, energia elétrica e materiais em geral", diz o documento assinado por 555 pessoas.
"Reconhecemos as dificuldades associadas à pandemia para toda a sociedade. Essas dificuldades se estendem a todos nós, que dependemos da economia funcionando para operar nossos negócios e serviços ou receber salários. A situação se tornou dramática para as finanças domésticas", diz o abaixo-assinado. Com cerca de 3.700 alunos, a Móbile tem mensalidades que ultrapassam R$ 4.000.
Em nota, a escola diz estar sensível ao atual contexto e que tem dialogado com cada uma das famílias para tratar de eventuais dificuldades de pagamento. Afirma ainda que, para manter o atendimento de qualidade, investiu nos últimos dias na compra de plataformas, licença de programas, equipamentos para home office e suporte para as aulas digitais e capacitação dos coordenadores para atendimento remoto.
Além disso, diz manter o pagamento de fornecedores e terceirizados, apesar da interrupção dos serviços. Parte desses custos foi suspensa aos pais, como os cursos extras oferecidos no colégio (aulas de inglês, judô, balé) e o valor das refeições das crianças que estudam em período integral. A escola diz ter um contrato de R$ 150 mil por mês para alimentação dos alunos. Durante a quarentena, afirma, vai arcar com o valor sem repassar às famílias.
Um dos mais tradicionais colégios paulistanos, o Bandeirantes, na Vila Mariana, também se mobilizou nos últimos dias para oferecer aulas a distância aos mais de mil alunos. Nesta semana, o diretor Mauro Aguiar disse ter recebido emails e telefonemas de pais questionando a manutenção dos valores de mensalidade, cerca de R$ 4.000.
"Tenho explicado aos pais que nossos custos não caíram. Na verdade, aumentaram, com os investimentos em tecnologia, as horas extras que os funcionários estão fazendo para oferecer uma estrutura completamente nova. Se reduzirmos o valor, vamos ter que demitir pessoal, o que seria um absurdo, uma irresponsabilidade neste momento", disse.
Para Aguiar, algumas famílias já sentiram o impacto da crise financeira provocada pela pandemia, especialmente aquelas formadas por comerciantes ou empresários da área de serviços, e tentam enxugar as despesas. "É natural essa preocupação, e as pessoas acham mais fácil negociar com a escola, onde têm contato direto com o diretor, com o pessoal do financeiro. É diferente de uma prestação de carro ou apartamento. Mas, se reduzirmos, vamos quebrar o colégio", afirmou Aguiar.
A escola Vera Cruz, em Pinheiros, também enviou uma carta a todos os pais explicando não haver razão para "reduzir a remuneração de funcionários, incluindo aqueles cuja natureza do trabalho não permite o exercício da função a distância". O comunicado foi enviado após questionamento de algumas famílias.
O colégio deixou de cobrar durante o período de suspensão das aulas presenciais as taxas de alimentação e material, além dos serviços de transporte e cursos extras.
"Apesar de liberar os pais do pagamento de alguns serviços, como alimentação e transporte, as escolas continuam pagando os contratos e os funcionários dessas funções. Por ser obrigação delas e, no caso dos terceirizados, em reconhecimento ao trabalho prestado", disse Arthur Fonseca, diretor da Abepar (Associação Brasileira de Escolas Particulares), que reúne as principais escolas de elite da cidade.
Fonseca também afirmou que a modalidade a distância, da forma como foi implementada pelas escolas nessa situação, em caráter de urgência e para todas as atividades, não representa economia, como podem imaginar alguns pais. "A EAD [ensino a distância] reduz custo para as instituições quando ela substitui o ensino presencial. Não é o caso das escolas que estão recorrendo à modalidade como um complemento para não deixar os alunos parados."
No último dia 18, o Conselho Estadual de Educação aprovou que atividades feitas em casa sejam contabilizadas para o cálculos do ano letivo em São Paulo. A medida, que ainda precisa de aprovação do secretário da Educação, Rossieli Soares, é inédita por liberar a modalidade a distância também para as séries do ensino fundamental, do 1º ao 9º ano.
A legislação atual só permite a modalidade em até 20% da carga horária para o ensino médio diurno e 30% no noturno. A minuta aprovada pelo conselho estende a possibilidade para o ensino fundamental, sem estabelecer um limite máximo de horas.
A medida prevê evitar o comprometimento do calendário escolar, já que o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou que a duração do período de pico do coronavírus no Brasil se estenda até o fim de junho. Se as aulas ficarem suspensas até lá, a avaliação de escolas e das próprias autoridades é que não será possível cumprir os 200 dias letivos previstos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
Um artigo da lei, no entanto, permite flexibilizar essa exigência, desde que sejam cumpridas as 800 horas anuais de atividades obrigatórias.