Mesmo já condenados e cumprindo pena por homicídio, Leandro Boldrini e Graciele Ugulini seguem respondendo à Justiça por outros crimes envolvendo Bernardo Uglione Boldrini, em Três Passos. A criança foi morta em abril de 2014, aos 11 anos.
Os dois estão sendo processados com base em previsões da Lei de Tortura, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Código Penal. Nesta quinta-feira (12), ocorre uma audiência para depoimento de testemunhas.
O pai e a madrasta respondem por terem feito Bernardo passar por intenso sofrimento mental (tortura, crime hediondo), por abandono material — que é a negligência nos cuidados a ele, como a falta de alimentação —, e por submetê-lo a vexame e a constrangimento, que é uma previsão do ECA. A ação foi de iniciativa do Ministério Público, que avaliou que mesmo já havendo um processo pelo homicídio à época (2016), esses outros crimes não poderiam ficar sem punição, por se tratarem de "fatos anteriores e que não possuem relação com a execução do homicídio".
As suspeitas foram apuradas pelo MP em procedimento administrativo, e a denúncia foi feita em setembro de 2016, quando Boldrini e Graciele se tornaram réus. O processo sobre as circunstâncias da morte de Bernardo foi julgado em março, também em Três Passos. Foram condenados Boldrini, Graciele, uma amiga da madrasta, Edelvânia Wirganovicz, e o irmão dela, Evandro Wirganovicz.
Entre as testemunhas de acusação arroladas está o casal Juçara e Carlos Petry, que costumava dar abrigo a Bernardo. Conforme a Justiça de Três Passos, os réus foram dispensados de comparecer às audiências de inquirição de testemunhas, e deverão ser interrogados por meio do sistema de videoconferência.
A acusação foi baseada em três fatos. O primeiro trata da negligência em relação a Bernardo depois de a mãe dele ter morrido e de Boldrini ter assumido relação amorosa com Graciele.
Segundo o MP, o casal tinha ausência de afeto e encarava a guarda do menino como um fardo. Mesmo tendo condições financeiras, os dois deixavam Bernardo sem alimentação em casa e sem lanche da escola, sem roupas adequadas ao seu tamanho e à estação do ano.
Durante a apuração da morte, surgiram depoimentos sobre as más condições do menino, que passaria fome e frio, dependendo de ser acolhido na casa de amigos. A promotoria também destacou o fato de os dois — um médico e uma enfermeira — não zelarem pela saúde de Bernardo, deixando de levá-lo a consultas médicas e permitindo que ele se automedicasse.
Por que estamos acompanhando este assunto?
- A morte de Bernardo Uglione Boldrini, de 11 anos, repercutiu no país, tornando público os maus-tratos e a negligência que o menino, órfão de mãe, sofria dentro da própria casa, em Três Passos. - GaúchaZH acompanha o caso desde abril de 2014, dando destaque a cada desdobramento que surgiu após o sumiço, do encontro do corpo e da prisão dos suspeitos do crime, entre eles, o pai e a madrasta de Bernardo. - Foi GaúchaZH que revelou, em primeira mão, alguns dos detalhes mais triste da história, como a confissão da amiga da madrasta - que levou ao encontro do corpo enterrado - e a divulgação de vídeos e áudios em que Bernardo aparecia pedindo socorro e sendo provocado pelo pai.
Para exemplificar o segundo fato da denúncia, que trata de vexame e constrangimento, o MP citou as vezes em que Bernardo era impedido de entrar em casa por não ter as chaves ou porque a madrasta se negava a abrir o portão. Essas situações obrigavam o menino a perambular pela cidade.
A acusação refere que o casal deixava o menino por dias na casa de amigos, sem demonstrar qualquer interesse em seu retorno para casa, além de não dar atenção à vida escolar dele e a eventos, como festas no colégio e até a primeira comunhão.
Como terceiro fato da denúncia, o MP discorreu sobre ameaças e castigos que Bernardo sofria em casa. No julgamento ocorrido em março, os promotores chegaram a apresentar gravações dessas situações, feitas por Boldrini.
Em uma delas, Bernardo grita 31 vezes por socorro. Na acusação, o promotor diz que os réus expuseram a vítima a intenso sofrimento mental com intuito de lhe aterrorizar e que isso deixou Bernardo sem referências de uma vida saudável. Também foi registrado que o menino era impedido de ter contato com a irmã mais nova — filha de Boldrini com Graciele — e que constantemente ouvia ofensas contra a mãe falecida.
Por fim, a acusação destacou que Bernardo sofria ameaças até de morte, como na gravação em que Graciele diz: "Prefiro apodrecer na cadeia do que ficar contigo na mesma casa incomodando", "vamos ver quem vai para baixo da terra primeiro".
Ouça áudio em que Bernardo pedia socorro ao sofrer ameaças da madrasta:
Contraponto
O que dizem Ezequiel Vetoretti e Rodrigo Grecellé, que defendem Leandro Boldrini:
"A defesa prefere não se manifestar no momento"
O que diz Vanderlei Pompeo de Mattos, que defende Graciele Ugulini:
GaúchaZH fez contato com o escritório de Vanderlei, mas não obteve retorno.