Quarta-feira (23), Araricá. Num dos maiores bloqueios de estradas no Rio Grande do Sul, mais de 200 caminhoneiros encostam na beira da rodovia. Alguns poucos autônomos tentam furar o piquete e são apedrejados. Já os motoristas de empresas concordam em encostar e aderem à paralisação. Confraternizam com os colegas grevistas. São empregados de frigoríficos, de empresas de construção civil, de cereais... Não há briga.
A verdade é que os autônomos — gente que tem só um ou dois veículos — lideraram o movimento que paralisou o Brasil, mas a greve conta com apoio discreto das empresas. A maior reivindicação de empresas e caminhoneiros é a mesma: redução nos impostos dos combustíveis e fim da flutuação excessiva no preço do óleo. Divergem em detalhes, poucos. E na intensidade das manifestações.
Os empresários são comedidos. Em entrevista a GaúchaZH, o vice-presidente de Logística do Sindicato das Empresas Transportadoras de Carga-RS (Setcergs), Franck Woodhead, assinou nota da entidade em que recomenda que os veículos empresariais fiquem nas garagens — por precaução e, também, por solidariedade à pauta dos autônomos no quesito combustíveis. Questionado sobre qual sua sensação sobre a reivindicação dos caminhoneiros, ele consentiu:
— Nos representam, são pedidos em comum. O governo demorou a olhar para o setor.
Nem Woodhead e nem outros dirigentes empresariais admitem ter endossado a greve, mas a simpatia pelo movimento dos autônomos é clara - desde que sem tumulto nos piquetes. Um dos maiores empresários do setor, Sérgio Gabardo (cuja empresa tem 1,2 mil caminhões), foi explícito em seu apoio à causa dos autônomos. Mesmo sem falar que aderiu à greve, admitiu que ordenou a paralisação de todos os seus veículos. E concorda com os caminhoneiros num ponto: a paralisação só deve terminar se o governo reduzir substancialmente a carga de impostos sobre o diesel (hoje cerca de 40%) e se congelar o preço do óleo na refinaria.
— Por pelo menos seis meses — acrescentou Gabardo, numa frase que parece saída de um líder de piquete.
O país só está parado porque há convergência entre interesses dos empresários dos transportes e dos caminhoneiros autônomos. Em outras ocasiões, a tentativa de furar os bloqueios era constante. Agora, não. Até por isso, a Polícia Federal vai investigar se existe locaute - quando empresários de um setor contribuem, incentivam ou orientam a paralisação de seus empregados. A prática é proibida tanto pela Consolidação das Leis do Trabalho como pela Lei da Greve. Ambas preveem suspensão de cargos dos representantes profissionais que fizerem o locaute e multas.
A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) também investiga essa hipótese. O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, reconheceu que há dados que apontam a possibilidade de locaute, mas não deu detalhes.
Um dos sinais é que a paralisação não está centrada em salários ou condições de trabalho, mesmo diante das enormes jornadas horárias a que os caminhoneiros se submetem. É greve para reduzir impostos, algo que agrada tanto a empregados quanto a patrões.
Mesmo com a câmara de compensação proposta pelo governo - que manterá, por meio de subvenções bancadas pelo Tesouro, o preço do diesel estável para os distribuidores -, o que se constata hoje é a ampliação dos pontos de retenção das estradas e não a redução do movimento, como esperava o governo.
A convicção é de que a paralisação só chegou ao ponto em que está por ter apoio do empresariado.
O pesadelo governista aumenta na medida em que os caminhoneiros contam desde quinta-feira (24) com a adesão de outras categorias nos protestos, como taxistas, motoristas de aplicativo motoboys. Falta pouco para ser uma greve geral — um sonho da esquerda, ferrenha opositora de Michel Temer, mas viabilizado pela direita, representada no movimento dos caminhoneiros.