Michel Temer concebeu roteiro de normalidade institucional para a noite desta terça-feira. Enquanto o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) retomava o julgamento que pode lhe cassar o mandato, ele planejava jantar com empresários e dirigentes do Serviço Social da Indústria (Sesi). Mas a realidade da crise foi mais eloquente. O presidente cancelou a agenda e, reunido com assessores no Palácio do Planalto, assistiu ao início da leitura do relatório no qual o ministro Herman Benjamin narrava supostos abusos de poder político e econômico da chapa Dilma-Temer nas eleições de 2014. Mesmo que eventual pedido de vista viesse a suspender o julgamento, Temer sabe que o cerco ao Planalto seguirá intenso.
Fustigado pelas 82 perguntas formuladas pela Polícia Federal, o presidente está prestes a ser alvo de denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. O chefe do Ministério Público Federal aguarda somente a conclusão da perícia no áudio da conversa entre Temer e o empresário Joesley Batista para pedir a abertura de ação penal contra Temer por corrupção passiva, organização criminosa e obstrução à Justiça.
Janot já teria sido informado de que a gravação não sofreu manipulação que pudesse comprometer o teor dos diálogos. Além disso, o procurador entende que o próprio presidente admitiu o encontro com Joesley e não negou os trechos mais comprometedores da conversa, quando, por exemplo, escuta o empresário revelar que corrompe membros do Judiciário. Para Janot, a atitude de Temer configurou confissão extrajudicial.
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A iminente denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) – inédita no país contra um presidente no exercício do cargo – provoca reflexos instantâneos no Congresso. Para além do adiamento das reformas, o que afastaria ainda mais o apoio do mercado e do setor produtivo, o Planalto tenta conter debandada do
PSDB. Principal aliado do governo, o partido condicionou sua sustentação ao resultado do julgamento no TSE, mas podem antecipar a decisão diante do agravamento do cenário jurídico.
Com a imagem do senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) destroçada pelas denúncias de corrupção, os tucanos visam a eleição de 2018 e, portanto, temem perder eleitores se atrelando a um governo cuja popularidade está em ruínas. Ainda assim, o advogado do partido encerrou a sustentação oral durante a sessão de ontem no TSE sem citar Temer, jogando toda culpa na ex-presidente Dilma Rousseff.
No Planalto, assessores se antecipam à evasão tucana e já reorganizam o mapa de cargos da base. O objetivo é distribuir benesses aos pequenos partidos buscando ao menos garantir a fidelidade de 172 deputados. Esse é o número mínimo de parlamentares que precisariam votar contra a apresentação de denúncia da PGR para salvar Temer, uma vez que um presidente só pode ser processado criminalmente com prévia autorização de dois terços da Câmara.
Mas há outro complicador: a ambição do presidente da Casa, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). Até aqui agindo como aliado incondicional de Temer, Maia atua nos bastidores como pré-candidato em caso de eleição indireta à Presidência. Não conduz o DEM pela porta de saída aberta pelo PSDB, tampouco se distancia do Planalto e da massa fisiológica dos partidos do baixo clero. O democrata sabe que, caso a situação do governo se torne insustentável, precisará dos votos do PMDB e das siglas que orbitam o governo para vencer no colégio eleitoral.
Não é à toa que Temer tem passado os dias em um gabinete de crise. Seus principais conselheiros são os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral) – este com a nomeação sub júdice no Supremo Tribunal Federal. E réplicas do terremoto na República levaram o presidente a agregar os ministros Torquato Jardim (Justiça), Raul Jungmann (Defesa) e Sérgio Etchegoyen (Gabinete de Segurança Institucional), com autoridade, respectivamente, sobre a Polícia Federal, as Forças Armadas e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Temer tem reclamado aos auxiliares que quase todos os dias é surpreendido com novos fatos que lhe prejudicam. A prisão do ex-ministro Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), nesta terça-feira e o depoimento do ex-assessor Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), previsto para quarta-feira, são dois componentes com poder de fogo contra o Planalto. Preso no sábado, Rocha Loures já fez um aceno aos procuradores da Lava-Jato. Há duas semanas, antes de ser detido, enviou emissário a Curitiba para sondar a possibilidade de colaborar.