No dia em que a tragédia da Boate Kiss completa quatro anos, o primeiro evento alusivo à data foi uma roda de conversa entre profissionais que acabaram se envolvendo nos desdobramentos logo após a madrugada daquele dia. A ideia foi idealizada pelo jornalista Marcelo Canellas, e colocada em prática pela Associação dos Familiares de Vítimas e Sobrevivente da Tragédia de Santa Maria (Avtsm), pela TV OVO e secretaria municipal de Saúde, por meio do Acolhe Saúde, que presta atendimento até hoje aos sobreviventes da tragédia. O evento foi realizado na SUCV, na Rua Venâncio Aires, das 9h até próximo do meio-dia. Cerca de 80 pessoas participaram.
A superintendente do Hospital Universitário de Santa Maria, Elaine Resener, uma das que participaram da roda, diz que, atualmente, há 400 jovens sobreviventes em acompanhamento no Husm. Em 2016, foram realizados cerca de dois mil atendimentos a eles. Ela ressalta também que o Guia de Protocolo de Atendimento às Vítima da Boate Kiss tem servido de manual em várias partes do mundo em casos parecidos. Ela conta também como foi a manhã daquele dia.
– Não perdemos nenhum dos pacientes que chegaram com vida ao hospital. Na sexta-feira havia chegado seis ventiladores mecânicos novos ao hospital. Íamos montar na segunda, mas o pessoal resolveu fazer um mutirão e instalar já na sexta. Parece que estávamos prevendo – revela.
A jornalista Juliana Mota, que cobriu a tragédia pela RBS TV Santa Maria, também contou com foi a experiência naquele dia. Mas o principal assunto em discussão foi o que fazer para preservar a memória das vítimas. O professor Márcio Seligmann-Silva, doutor em Teoria Literária e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), falou sobre a importância disso para a cidade. Em muitos momentos foi exemplificado como a Alemanha tratou do tema com as vítimas do holocausto, demorando cerca de 15 anos.
– Espaços de memoriais têm de ser discutido com toda a comunidade, porque toda a comunidade é sobrevivente. Está se esperando muito que a Justiça seja feita, e depois que ela acontecer, não significa que isso vai cair no esquecimento – afirma o professor.
Opinião que é reforçada pela professora da Universidade Federal de Santa Maria Virginia Vecchioli, que trabalha para um espaço que lembre às vítimas dentro da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
– Essa tragédia traz um forte sentimento de comunhão, mas também de indignação moral, pelo descaso dos poderes públicos e com os interesses privados que se colocam à frente. Os sobreviventes e seus familiares têm que lutar também contra a incompreensão e o preconceito. A procura por justiça é a principal busca, o que pode explicar a demora pela busca da memória. O memorial é importante não só para os familiares das vítimas, mas para toda a comunidade de Santa Maria. Isso significará que a cidade se reconhece neles e que eles não serão esquecidos. Mas é algo que precisa ser adotado por toda a comunidade, para não correr o risco de ser esquecido e abandonado – explica a pesquisadora.
Ao discursar, o presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Sérgio Silva, se emocionou e foi aplaudido em pé pelos participantes.
– Hoje é um sentimento de tristeza e alegria. É estranho. Fico feliz em saber que temos essas pessoas ao nosso lado. Para quem perdeu familiares não passou quatro anos, parece que o tempo parou. Um povo que esquece sua história não evolui, é isso que precisamos pensar – destacou.
Demolição do prédio e presença da Chapecoense
Ao final da fala dos participantes, o prefeito Jorge Pozzobom (PSDB) discursou e anunciou que, após conversa com o representante do dono do prédio onde aconteceu a tragédia, ficou definido que, no máximo, até a metade deste ano, a desapropriação seja concluída. O desejo do chefe do executivo é de que no dia 27 de janeiro do ano que vem, a edificação já esteja destruída para então começar os preparativos para a construção do memorial.
– A palavra omissão não vai fazer parte do nosso governo. Esse livro não pode ser fechado. Assumimos o compromisso com os donos do prédio de buscar uma solução amigável. E ontem (quinta) já me entregaram a chave do prédio, que está lá em meu gabinete. O memorial é uma dívida que Santa Maria tem com os familiares das vítimas e com todo o mundo – declarou o prefeito.
Também esteve presente no evento uma representante da Chapecoense. Fabiane Funk foi enviada pela diretoria da Chape para representar o clube, e retribuir o apoio dado por Santa Maria, principalmente pelos cinco profissionais do Acolhe Saúde que foram até a cidade catarinense para ajudar no atendimento aos familiares das vítimas no desastre aéreo.
– É um prazer dolorido estar aqui. A Chapecoense sentiu-se na necessidade de ter um representante aqui. As similaridades são imensas. Mas o que nos traz aqui é a solidariedade que Santa Maria levou a Chapecoense e para a cidade de Chapecó. Amor e solidariedade, foi isso o que nos levaram. Chapecó agradece imensamente – disse, emocionada.