Em meio a uma das mais graves crises na segurança, com índices de criminalidade recorde no Estado, a indicação do prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB), para comandar a Secretaria da Segurança Pública (SSP) foi recebida com surpresa. E também com críticas.
Especialistas consultados pela reportagem classificaram como “erro” a escolha de um nome com perfil político, e não técnico, diante do cenário agravado pelo parcelamento de salários, pela falta de recursos para investimentos e pela carência de efetivo policial. Além disso, o fantasma da tragédia da boate Kiss – que matou 242 pessoas em 27 de janeiro de 2013, com Schirmer como prefeito de Santa Maria – assombra o futuro do novo titular da SSP ao pôr em dúvida sua capacidade de administrar os problemas da pasta.
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Opinião da RBS: escolha decepcionante
Ex-secretário nacional de Segurança Pública e coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo, José Vicente da Silva Filho avalia que colocar um político no cargo pode trazer "sérias consequências", inclusive o aprofundamento da insegurança:
– Não passa uma mensagem clara de que o governo quer, de fato, solucionar o problema. Teria de ser alguém que, além de conhecimento da área, tivesse capacidade de planejamento, comando e gestão de crise. Com certeza, é um tiro no pé.
O antropólogo e cientista político Luiz Eduardo Soares, também ex-secretário nacional de Segurança Pública, lamenta que o novo titular da SSP seja indicação pessoal do governador. Amigo e conselheiro político de Sartori, Schirmer participou da equipe de transição do governo. Soares avalia que, para desempenhar bem a tarefa na SSP, não pode haver preocupação com votos ou com partido:
– Fazer mais do mesmo só vai levar aos mesmos resultados. Deveria ser um momento de revisão crítica, repactuação e compromisso com reformas.
Na entrevista que anunciou o nome do prefeito, na sexta-feira, além de divulgar a antecipação da convocação de policiais militares e civis, Sartori ressaltou o "equilíbrio e a competência" do escolhido. Apesar de já ter ocupado outras três secretarias estaduais em diferentes governos (Agricultura, Casa Civil e Fazenda), Schirmer admitiu não ter experiência com a área de segurança:
– Sou do tipo político. Procuro me cercar de técnicos, é isso que vou fazer.
O professor do programa de pós-graduação em Ciências Criminais da PUCRS Rodrigo de Azevedo lembra que a escolha de Sartori quebra padrão adotado nas gestões anteriores. O último político a ocupar o posto de secretário da Segurança foi o pedetista Enio Bacci, no início do governo de Yeda Crusius (PSDB), em 2007, que permaneceu apenas três meses no cargo. O nome de Bacci chegou a ser cotado para substituir o ex-secretário Wantuir Jacini, que pediu exoneração após o latrocínio de uma mãe em frente à escola do filho, na Capital.
– Talvez seja tentativa de pensar a segurança pública de forma mais ampla, dialogando com a sociedade civil e prefeituras, atores importantes para pensar políticas envolvendo o tema da prevenção, que têm ficado de fora – pondera Azevedo.
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Associação de familiares de vítimas repudia indicação
Entidades de servidores da Segurança Pública se dividem sobre a escolha Schirmer, que só tomará posse após renúncia à prefeitura, ainda sem data prevista. Todos receberam a indicação com surpresa, em razão de ele ter ficado marcado pela tragédia da Boate Kiss.
O nome de Schirmer chegou a figurar na lista dos assuntos que receberam mais comentários no Twitter, a maioria em tom de decepção e indignação. O prefeito de Santa Maria ficou conhecido em todo o país após o incêndio que resultou na maior tragédia da história do Rio Grande do Sul.
Em março de 2016, o Ministério Público Estadual decidiu arquivar a apuração que poderia enquadrar Schirmer em improbidade administrativa (falha na gestão pública), mas, até hoje, pais e mães das vítimas não aceitam a decisão. O prefeito é criticado por omissão.
Nos dias que se seguiram à tragédia, Schirmer chorou durante coletiva de imprensa e foi bombardeado por críticas ao deixar o local da entrevista sem responder às perguntas dos jornalistas.
Este ano, chegou a ser cogitado para vaga no Tribunal de Contas do Estado (TCE), desencadeando protestos da associação de familiares das vítimas da Kiss, que emitiu nota de repúdio. Diante do anúncio de sexta-feira, a AVTSM divulgou novo texto criticando a indicação de Schirmer à SSP.
– O prefeito jamais pediu desculpas pelo que aconteceu – resume o presidente da entidade, Sérgio da Silva.