Ao acompanhar a estudante de enfermagem Raquel Sampaio em uma caminhada pelas ruas de Porto Alegre, o Diário Gaúcho mostrou, na reportagem publicada na quinta-feira, como piadas e cantadas constrangem as mulheres.
O costume de cantadas de rua faz parte de uma cultura machista. Em casos extremos, é o mesmo caldo de cultura que resulta em estupros como o da adolescente atacada por vários homens no Rio de Janeiro. O episódio ganhou dimensão internacional porque a violência foi filmada e o vídeo circulou nas redes sociais.
A reportagem sobre a rotina de assédios vivenciada por Raquel, publicada pelo DG, tinha o objetivo de expôr essa realidade. Leitores, porém, criticaram Raquel por sentir-se incomodada com cantadas e olhares lascivos. São opiniões e pontos de vista que reforçam a necessidade de discutir o assunto .
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O Diário Gaúcho selecionou comentários de leitores e pediu para que especialistas comentassem o conteúdos das mensagens. Veja como, em alguns casos, leitores cometem até crimes com a desculpa de "elogiar" uma mulher.
Os motivos que fazem uma mulher se arrumar e ficar bonita dizem respeito somente a ela. Mas não é o que todas as pessoas pensam. Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplica (Ipea), feita em 2014, revelou que 26% dos brasileiros entendem que mulheres que usam roupas curtas merecem ser abusadas. É o velho e absurdo argumento: "ela pediu".
O corpo de uma mulher não é da sociedade e muito menos "patrimônio cultural" do Brasil, como disse o leitor. Nos protestos feministas que se alastram pelo país, frases afirmando que o corpo das mulheres pertence somente a elas estampou cartazes e foram escritas inclusive na pele das ativistas.
Sobre a alegação do comentário acima de que, deixando de olhar para o corpo de uma mulher corre-se o risco de virar homossexual, um outro leitor fez o seguinte comentário:
Resumindo: ser heterossexual não é desculpa para agir com desrespeito.
A Raquel Sampaio gosta de ficar bonita. Pensar que uma mulher se arruma para provocar os homens é pura vaidade masculina. Mesmo que a intenção da mulher seja o de provocar desejo sexual, ela pode se sentir violada com cantadas, piadas e outros comportamentos.
Como afirmou a defensora pública e dirigente do Núcleo de Defesa da Mulher (Nudem) Luciana Artus Schneider, na reportagem do Diário Gaúcho, toda atitude masculina de caráter sexual que acaba constrangendo uma mulher pode ser considerada assédio.
Aproveitamos para responder a essas dúvidas.
Conforme explicado na reportagem, abuso abarca várias situações de assédio. Em relação à paquera na balada ou em qualquer outro lugar, a coordenadora do Coletivo Feminino Plural, de Porto Alegre, Télia Negrão, explica: a diferença entre assédio e interesse numa pessoa é a forma como as coisas acontecem. Tendo respeito, qualquer pessoa, seja homem ou mulher, pode se aproximar de outra pessoa para conhecê-la melhor ou expressar seu sentimento. "A base disso é o respeito", reforça Télia.
Se o homem se sentir assediado sexualmente, seja por outro homem ou por uma mulher, ele tem o direito de denunciar. O artigo 216-A do Código Penal que tipifica o assédio sexual como crime diz: "constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Pena de um a dois anos". O homem pode procurar qualquer delegacia de polícia para registrar a denúncia.
Pesquisa mostra tamanho do problema
Uma enquete realizada em 2013 pela Ong Think Olga com mais de 7 mil mulheres revelou que 99,6% delas já sofreu algum tipo de assédio. E a rua se apresentou como o lugar onde o abuso mais acontece: 98% das mulheres disse terem sido assediadas na rua, ouvindo desde expressões tidas como elogiosas pelos homens, como "linda","princesa", e o famoso "fiu-fiu", até frases mais grosseiras, como "te pegava toda" e "te chupava toda". Todas essas expressões foram consideradas assédio sexual pelas entrevistadas.