O prefeito santa-mariense Cezar Schirmer (PMDB) colheu mais uma vitória na sua tentativa de mostrar que nem ele nem seus funcionários se omitiram no caso do incêndio da boate Kiss. O Ministério Público Estadual (MP) decidiu arquivar investigação que poderia enquadrar o prefeito em improbidade administrativa (quando o gestor público é responsabilizado por falhas). A decisão ainda tem de ser ratificada por um conselho de procuradores.
A destruição da danceteria, ocorrida em janeiro de 2013 e que acarretou a morte de 242 pessoas, é a maior tragédia da história do Rio Grande do Sul. A promoção de arquivamento do inquérito civil instaurado em Santa Maria foi feita pela promotora Jocelaine Dutra Pains, que investigava improbidade administrativa em relação a servidores, secretários municipais e o prefeito Cezar Schirmer.
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É a segunda vez que essa investigação é arquivada. O primeiro arquivamento ocorreu em 2013, por parte de dois outros promotores. Por pressão de familiares de vítimas da Kiss – eles pediram que tudo fosse reavaliado a partir de novos documentos (novo inquérito policial apontou irregularidades na emissão das licenças e alvarás para o funcionamento da boate) –, o Conselho Superior do MP solicitou que o inquérito civil fosse reanalisado pela Promotoria santa-mariense, em outubro de 2013.
O caso ficou para a promotora Jocelaine Dutra Pains, que recebeu o material em 2015 e releu todos os documentos. Ela procurou verificar se tinham sido infringidas, por parte de servidores da prefeitura de Santa Maria, a Lei Federal 8.429/92 (de Improbidade Administrativa) e as leis municipais 3.301/1991, 092/2012, 070/2009 (do Código de Obras do município de Santa Maria).
A promotora concluiu que não foi identificada qualquer conduta dos agentes públicos voltada à obtenção de vantagem patrimonial na concessão de licenças (necessárias para permitir funcionamento da Kiss). Ela também constatou que não ocorreu violação deliberada de princípios da administração pública, não houve dolo (nem mesmo genérico) e sequer culpa grave, nas ações dos funcionários municipais de Santa Maria.
A promotora constatou que existiram falhas da prefeitura em relação à Kiss, como a falta de comunicação entre o setor de cadastro imobiliário (que expediu o alvará de localização da danceteria e o renovou duas vezes) e a Superintendência de Análise de Projetos e Vistorias (que não autorizou reforma predial na boate). O MP recomendou que essas falhas fossem corrigidas mediante alteração dos processos fiscalizatórios, mas não acredita que tenham sido responsáveis pelos fatos que levaram ao incêndio.
– Não houve nexo causal entre o que originou o fogo e as eventuais falhas administrativas ocorridas em razão de lacunas legislativas existentes à época, no município – ponderou Jocelaine.
A Polícia Civil, em inquérito realizado em 2013, ressaltou que a Kiss jamais funcionou com todas as licenças em dia. Até por isso, os policiais indiciaram criminalmente fiscais da prefeitura por omissão. A promotora não se mostra tão rigorosa quanto os policiais. No seu parecer, Jocelaine considerou que o alvará de localização da Kiss foi expedido em janeiro de 2010 porque a boate estava com documentos válidos (mesmo que alguns tivessem erros formais de data). E as principais permissões continuavam valendo na data do incêndio, em janeiro de 2013. Estavam válidas, além do alvará, a Licença de Operação, o Estudo de Impacto de Vizinhança (sobre ruído) e o Laudo de Isolamento Acústico. Jocelaine admite que o Alvará de Proteção Contra Incêndio estava expirado na época da tragédia (inválido desde agosto de 2012), embora em vias de renovação, com taxas pagas pelo proprietário.
– Os bombeiros, no entanto, não comunicaram ao município que o documento estava fora de validade. Eles entenderam que isso não impedia a manutenção da danceteria em funcionamento – enfatizou a promotora. O parecer da promotora, recomendando arquivamento da investigação por improbidade, será agora remetido ao Conselho Superior do Ministério Público.
– A promotora examinou exaustivamente todos os aspectos do funcionamento da Kiss. Cabe agora aos colegas analisarem o parecer dela. Serão nove procuradores a opinar, além do corregedor e do Procurador-Geral de Justiça –detalha o procurador para Assuntos Institucionais do MP Estadual, promotor Fabiano Dallazen.
O Conselho do MP deve dar um parecer em até 30 dias.
Cezar Schirmer, que não pode se eleger pela terceira vez consecutiva prefeito, é cotado para uma vaga como conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Contrapontos:
O que diz a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM):
O presidente da AVTSM, reagiu sem surpresa ao arquivamento da investigação por improbidade dos funcionários da prefeitura santa-mariense. "A luta continua. Nossa esperança é que a Organização dos Estados Americanos (OEA) mostre que nada tem sido feito a respeito da responsabilidade desse prefeito".
O que diz Cezar Schirmer:
"Nota oficial: promoção de arquivamento de inquérito civil contra prefeitura
A Prefeitura Municipal de Santa Maria, por meio da procuradora-geral do Município, Anny Desconzi, vem a público reiterar a posição jurídica que orientou a postura da Administração Municipal desde a tragédia que enlutou tantas famílias e impactou tão tristemente a nossa cidade. As razões que embasaram a referida posição se constituem, resumidamente, no seguinte:
1. As legislações e normas municipais que orientaram a concessão de alvarás e licenças são anteriores ao governo, iniciado em 2009, e foram cumpridas pelos servidores municipais;
2. As leis federais, estaduais e municipais, relativas à segurança e prevenção a incêndios não atribuíam ao município qualquer competência nesta área;
3. As exaustivas investigações administrativa, policial e judicial, não identificaram nos servidores e nos agentes públicos do município qualquer violação aos princípios da administração pública e à legislação vigente;
4. O tempo é o senhor da razão. A Prefeitura reitera sua confiança no Judiciário e nas instituições cujas funções são essenciais a concretização da justiça;
O prefeito Cezar Schirmer mantém sua posição avessa ao conflito. 'Fiel à posição que adotei desde os primeiros momentos da tragédia, mantenho a postura avessa à polêmica, ao conflito e ao acirramento de ânimos, com quem quer que seja, em uma cidade ainda traumatizada. Tenho a convicção de que ao prefeito cabe esta missão, que, muitas vezes, se impõe pela necessidade do silêncio e da superação para a construção de um futuro de paz, justiça, harmonia, equilíbrio e serenidade para todos, em Santa Maria', declarou o chefe do Executivo.
Por fim, o prefeito expõe sua compreensão e respeito à manifestação de quem encarna o sofrimento, a dor e a angústia de tantos familiares, decorrentes da tragédia de 27 de janeiro de 2013.
Secretaria de Comunicação e Programação Institucional
Prefeitura Municipal de Santa Maria"