Residência oficial da Vice-Presidência, o Palácio do Jaburu tornou-se local de peregrinação. Herdeiro da faixa presidencial caso o impeachment de Dilma Rousseff ocorra, Michel Temer é cortejado por parlamentares, governadores, juristas e empresários interessados na queda da petista. A perspectiva de poder coloca a oposição na órbita do vice.
A coalizão que se aproxima de Temer carrega adversários históricos do PT, como PSDB e DEM, e as alas dissidentes de legendas da base da Dilma, inclusive o PMDB, presidido pelo vice. Em almoços e jantares no Jaburu, o discurso levado a Temer é o mesmo: o país não suporta mais um ano de instabilidade e "Michel", como os amigos o chamam, é o homem preparado para um "governo de conciliação nacional", similar a Itamar Franco.
- Michel tem tudo para pacificar o país. Deveria convidar todos os partidos para governar, até o PT - prega o deputado Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE).
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As conversas são mantidas em um cenário no qual o impeachment é apenas uma possibilidade, com desfecho ao longo de 2016. A oposição insufla posições firmes de Temer, algo improvável para um homem de gestos calculados. Por ora, ele opera nos bastidores.
O entra e sai de carros oficiais do Jaburu é grande. Em 2 de dezembro, quando Eduardo Cunha (PMDB-RJ) aceitou o pedido de impeachment, Temer almoçou com senadores de oposição, entre eles José Serra (PSDB-SP) e Aloysio Nunes (PSDB-SP). Uma semana depois, recebeu os peemedebistas Ricardo Ferraço (ES), Waldemir Moka (MS), Blairo Maggi (MT), Dário Berger (SC) e Simone Tebet (MS), que fogem do controle de Renan Calheiros (RN). O vice teria dito que "não move uma palha" para ser presidente. No mesmo dia, poucas horas depois de derrubar Leonardo Picciani (RJ) da liderança do PMDB da Câmara, Leonardo Quintão (MG) foi ao palácio beijar a mão de Temer.
- A intenção da troca da bancada era fortalecer o PMDB e o Michel - resume Osmar Terra, um dos líderes da rebelião.
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Também passou pelo Jaburu o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), sucessor de Eduardo Campos, morto em 2014. Temer mantém o diálogo com a ala de Pernambuco do PSB, sigla independente no Congresso. Cientes dos movimentos, escudeiros de Temer, como Eliseu Padilha (RS), e outros caciques do partido negam qualquer conspiração.
- Michel é do diálogo, sempre manteve conversas com todos os partidos - diz o senador Edison Lobão (MA).
Caso Temer assuma, partidos negociam não à reeleição
Na oposição, os partidos evitam tratar publicamente do apoio a um governo que só existe nos sonhos, afinal, nem sequer a comissão especial do impeachment foi instalada na Câmara - aguarda decisão do Supremo Tribunal Federal.
- Não existe adesão prévia a nada - diz o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO).
Aliado de Eduardo Cunha, Paulinho da Força (SD-SP) diverge. Defende que o caminho natural seria endossar Temer, em troca de espaço na máquina federal:
- Se derrubar um governo, a oposição tem a obrigação de ajudar o próximo.
Para o SD, sigla nova e de oposição, seria a oportunidade de turbinar suas candidaturas estando no poder. DEM, PPS e PSDB trabalham com essa lógica de forma mais tímida e costuram com Temer o compromisso de que ele não tentaria a reeleição.
Dilma diz que PSDB é a "base" do pedido de impeachment
Na base de Dilma, alas insatisfeitas enviam emissários. O vice se reuniu durante a semana com o presidente do PRB, Marcos Pereira. O partido tem o Ministério do Esporte, e reclama da falta de autonomia. O senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) fala da relação com Temer:
- Não é porque tem um ministério que o partido estará fechado contra o impeachment. O PRB sentaria para conversar com o Michel.
Dividido, o PR já deu sinais de que, em uma negociação para continuar com os Transportes, estaria com o PMDB. Manter os nacos da Esplanada de PSD, PDT, PP e PTB é um sinal velado para essas legendas, que trocariam apenas os nomes que comandam seus ministérios. Titular do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, o PTB tem em sua presidente uma adversária do PT. A deputada Cristiane Brasil (RJ) é filha de Roberto Jefferson, delator do mensalão. Líder na Câmara e com trânsito no Planalto, Jovair Arantes (GO) garante que não foi procurado por aliados de Temer. Cartola do
Atlético-GO, usa a linguagem da bola para definir o desfecho da crise política. O jogo não acabou nem Dilma perdeu.
- Tem muita bola para rolar. O jogo está recém com dois minutos do primeiro tempo - diz.
OS CACIQUES E SEUS ESCUDEIROS
Michel Temer (PMDB-SP)
Herdeiro da faixa presidencial caso Dilma sofra o impeachment, o vice se mantém neutro em falas públicas. Nos bastidores, é cortejado e conversa com empresários e parlamentares de oposição e da base de Dilma.
- José Serra (PSDB-SP) - Sem espaço para concorrer ao Planalto pelo PSDB, declarou que se empenharia para ajudar um governo Temer. É cotado para um ministério e poderia ir para o PMDB.
- Geraldo Alckmin (PSDB-SP) - Combate o rótulo de "golpe" para o impeachment e conversa com Temer. Auxiliaria um "novo" governo, mas fora da linha de frente. Pretende concorrer à Presidência em 2018.
- Aécio Neves (PSDB-MG) - Apoia o impeachment. Até agora, não mergulhou nas articulações. Seu grupo apostava na queda da chapa Dilma-Temer no TSE para chamar novas eleições. Junto com Alckmin, aguardaria a sinalização de que Temer não concorreria à reeleição.
- PP, PR, PTB, PRB, PSD e PDT - São partidos que integram a base de Dilma, mas com alas oposicionistas que defendem a saída da petista do Planalto. Estes grupos conversam com interlocutores de Temer.
Eduardo Cunha (PMDB-RJ)
Preocupado em salvar seu mandato, é apoiado pela oposição para usar sua bancada a favor da queda de Dilma. Temer mantém distância estratégica do presidente da Câmara, denunciado por corrupção na Lava-Jato.
- Paulinho da Força (SD-SP) - Líder da tropa de choque de Cunha, incentivou o aliado a aceitar o pedido de impeachment.
- PSC - O líder na Câmara, André Moura (SE), é um dos deputados mais afinados com Cunha e pró-impeachment. Os caciques do partido aceitariam espaço num governo de conciliação.
- DEM e PPS - Ambas as siglas já defenderam o afastamento de Cunha, insistem no discurso, mas ficaram satisfeitas com o impeachment. Os líderes Mendonça Filho (DEM-PE) e Rubens Bueno (PPS-PR) evitam anunciar participação em um governo Temer, mas aguardariam um convite.
- Carlos Sampaio (PSDB-SP) - Líder tucano na Câmara, já pregou o afastamento de Cunha e centra esforços pelo impeachment. Afirma que o PSDB ajudaria Temer a ter maioria no Congresso, mas sem espaço na Esplanada.
Renan Calheiros (PMDB-AL)
O presidente do Senado criticou a carta de Temer a Dilma. Sem adesão de Renan, não há impeachment, já que ele controla uma base com cerca de 30 senadores e impediria o processo de afastamento.
- Álvaro Dias (PSDB-PR) - Ex-governador do Paraná, o senador é contrário a apoiar Temer caso o impeachment ocorra. Seu grupo no partido prefere continuar na oposição.
- PSB, Rede e PSOL - Partidos independentes, por ora conservam posição contrária ao impeachment de Dilma, em especial o PSOL. De olho em 2018, sustentam o discurso de que permaneceriam na oposição caso Temer assuma a Presidência.
Foto: Diego Vara/ Agência RBS
As divergências que rondam o ninho tucano
O PSDB vive um dilema. Apesar da adesão ao impeachment, o maior partido de oposição do país diverge sobre participar ou não de um governo Temer, caso Dilma Rousseff seja afastada. Os tucanos calculam a rota de voo para 2018 com base em cenários de sucesso ou fracasso de Temer e a provável candidatura do PMDB ao Planalto.
O êxito do atual vice o tornaria candidato à reeleição ou daria força ao PMDB para fazer o sucessor, o que não interessa aos tucanos. A simples assunção de Temer não resolve a inflação alta e o desemprego. Neste caso, o governo obrigado a adotar medidas impopulares traria desgaste. O PSDB adia o debate, já que a guerra do impeachment está longe do fim.
- Vamos apoiar os movimentos de rua favoráveis ao impeachment, mas com absoluta serenidade. Não queremos transformar isso em um grande Fla-Flu - afirmou Aécio, presidente nacional da sigla.
Movimentos pró-impeachment se mobilizam neste domingo
Grão-tucanos admitem que seria difícil permanecer na oposição. Uma possibilidade seria garantir maioria no Congresso a Temer, mas sem cadeiras na Esplanada.
- A tendência é ajudar sem participar. Vamos ver com que time o Temer vai governar - diz Carlos Sampaio (SP), líder do PSDB.
Dos três presidenciáveis do partido, José Serra (SP) afirmou em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo que faria "o possível" para ajudar Temer. Aécio e Alckmin (SP) mantêm maior distância.
- Se o Temer assumir, fico na oposição. Temer faz parte do mesmo governo que está aí - diz o senador Álvaro Dias (PR), que há meses avalia uma saída do
PSDB e é contrário a qualquer apoio a um governo do PMDB.
Pinceladas de um futuro governo
Oficialmente, os partidos que integrariam a base e os nomes do primeiro escalão de um eventual governo Temer não são tratados. Nas reuniões em residências oficiais e apartamentos funcionais, as especulações circulam em conversas sutis, afinal, o vice tenta driblar o rótulo de "conspirador".
A conta gotas, emissários de Temer vazam nomes de possíveis ministros em um "governo de conciliação nacional". Henrique Meirelles é aventado para a Fazenda, opção palatável a petistas e tucanos.
Presidente do Banco Central nos oitos anos do governo Lula, Meirelles é o nome que o ex-presidente tenta emplacar há meses, sem sucesso, na vaga de Joaquim Levy.
Outro nome sinalizado em um perfil com trânsito entre petistas e tucanos é o do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim. Ele voltaria à Justiça ou à Defesa, onde deixou saudades em parte da caserna.
As especulações da cota "caseira" do PMDB trazem figuras da confiança de Temer, a exemplo de Moreira Franco (RJ) e Eliseu Padilha (RS), escudeiro fiel do vice e com passagens na Esplanada nos governo do PSDB e do PT. Questionado por deputados em encontros, Padilha insiste que é "bobagem" esse tipo de conversa.
No ninho tucano, José Serra (PSDB-SP) tem status de ministeriável - parlamentares defendem um retorno à Saúde ou uma pasta pesada de gestão, como o Planejamento. O senador, inclusive, tem sua migração especulada para o PMDB, de olho em uma candidatura ao Planalto em 2018, já que tem dificuldades para desbancar Aécio Neves (PSDB-MG) e Geraldo Alckmin (PSDB-SP) na prévia do PSDB.