O rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana (MG), em 5 de novembro, causou um dos maiores desastres ambientais da história do Brasil e deixou pelo menos 11 mortos, 12 desaparecidos e mais de 600 desabrigados. Os 62 milhões de metros cúbicos de lama despejados morro abaixo - que poderiam encher 25 mil piscinas olímpicas - percorrem um trajeto de mais de 500 quilômetros devem desaguar no mar do Espírito Santo nos próximos dias. Vales e rio, como o Doce, foram extremamente afetados.
A tragédia é tamanha que mais de 220 cidades de Minas Gerais e do Espírito Santo foram afetadas. Dona da mineradora da barragem rompida, a Samarco - empresa formada pela brasileira Vale e pela anglo-australiana BHP - foi multada em R$ 1 bilhão. Segundo o governo federal, serão necessários pelo menos 10 anos para a recuperação da bacia do Rio Doce, mas elementos tóxicos como zinco e arsênio trazem prejuízos que podem ser irreversíveis à fauna, à flora e ao abastecimento de água potável.
Confira, a seguir, o que já se sabe sobre o desastre.
Causas
Ainda estão sendo investigadas. De acordo com a Samarco, dois pequenos tremores foram registrados na área duas horas antes do rompimento. Antes do incidente, a Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) de Minas chegou a recomendar reparos na estrutura da barragem de Fundão.
Segundo o professor da Universidade Estadual de Londrina e consultor em Mineração e Meio Ambiente Cleuber Moraes Brito, "no último ano, a empresa aumentou sua produção em mais de 15%, correspondentes a cerca de 25 milhões de toneladas, o que fez crescer também os volumes de rejeitos lançados nas barragens em aproximadamente 22 milhões de toneladas. Isto pode explicar as causas do rompimento, se não foram feitas as readequações equivalentes e necessárias nas barragens para este aumento da deposição dos rejeitos, mas ficam por enquanto no campo da especulação".
Responsáveis
A mineradora Samarco. Fundada em 1977, é uma companhia de capital fechado controlada por duas acionistas, a anglo-australiana BHP e a brasileira Vale. Cada uma tem metade da empresa. O professor da Universidade Estadual de Londrina e consultor em Mineração e Meio Ambiente Cleuber Moraes Brito aponta que os órgãos públicos também devem ser culpados.
Segundo ele, os órgãos são "responsáveis pelo licenciamento ambiental e pela fiscalização das atividades das mineradoras. Comuns a todos os Estados brasileiros, os órgãos ambientais estão falidos, sucateados em sua infraestrutura física e de recursos humanos. Padecem de falta de treinamento técnico, investimentos, não cumprem de maneira satisfatória seu papel institucional de gestor ambiental das atividades poluidoras e se qualificam como corresponsáveis por acidentes como este de Mariana."
Mortos, feridos e desaparecidos
Os números ainda não são oficiais. São pelo menos 11 mortos e 12 desaparecidos.
Veja fotos do desastre ambiental:
A barragem era segura?
O Departamento Nacional de Produção Mineral classifica a barragem de Fundão como de baixo risco. Porém, por ela estar em uma região com alta densidade populacional, a classificação do dano potencial associado é alta. Ela opera com licença da Feam, órgão vinculado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad).
Impacto ambiental
Especialistas afirmaram a Zero Hora que os impactos ambientais vão acontecer em todo o cenário atingido pela lama da barragem que se rompeu, especialmente na bacia do Rio Doce:
- Interrupção temporária do abastecimento de água em função da má qualidade (exemplo: Governador Valadares);
- Assoreamento de trechos do rio e de alguns de seus afluentes (possivelmente irreversível);
- Absorção biológica de metais e de outros poluentes vindos da barragem rompida em peixes e outros componentes da biota (conjunto de todos seres vivos) aquática (reversível, a longo prazo, de três a cinco anos);
- Remoção e comprometimento de trechos significativos da vegetação ciliar (associada a rios, córregos e solos saturados);
- Mudanças na biologia das espéciea e perda de volume e profundidade, com consequente aumento da temperatura média da água dos rios afetados;
- Alterações na paisagem, tais como mudanças de cursos dos rios;
- Problemas de aumento de doenças como diarréias agudas, cólera, febre tifóide, hepatite A e leptospirose.
Impactos econômicos e humanos
Além da perda de vidas, de pessoas feridas ou relacionados a traumas individuais e coletivos, há a necessidade de realocação/reconstrução de moradias e de infraestrutura urbana, e a criação de novas alternativas de desenvolvimento econômico e social das pessoas diretamente e indiretamente envolvidas no desastre.
Os impactos econômicos são graves e variados. Eles vão muito além dos distritos de Bento Rodrigues (destruído) e Paracatu. Atingem em cheio os municípios de Mariana, Ouro Preto (MG) e Ubu (ES), mas também vários outros da região do chamado quadrilátero ferrífero de MG, inclusive a cidade de Belo Horizonte. De acordo com o prefeito de Mariana, Duarte Júnior, o prejuízo com o rompimento é de, no mínimo, R$ 100 milhões. A mineradora garante 80% da arrecadação para a cidade - R$ 9 milhões mensais somente com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
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O que acontecerá no futuro?
- Qualidade da água: depende da intensidade das chuvas, principalmente, para normalizar (pode levar dias ou meses);
- Contaminação: de todos os organismos vivos da bacia do Rio Doce por metais e outros agentes tóxicos. Vai demorar para aparecer, mas esse tipo de impacto pode permanecer durante alguns anos;
- Assoreamento das calhas dos rios: irreversível em grande parte da área afetada, a não ser na região mais próxima das barragens rompidas que deverá ser totalmente dragada e recuperada, provavelmente. Mesmo nessa hipótese, a recuperação dessas áreas do entorno deverá levar de dois a cinco anos, no mínimo, dependendo dos resultados de inquéritos e licitações, e cumprimento de várias exigências legais.
- Vegetação que protege os rios: para algumas espécies de crescimento mais lento, pode demorar décadas;
- Extinção de espécies endêmicas, típicas do Rio Doce: caso seja constatada alguma extinção, trata-se de algo irreversível;
- Perda de biodiversidade: pode demorar de anos a décadas para ser restabelecida, dependendo dos programas de recomposiçãoque devem ser montados.
Pode haver outros rompimentos?
Em entrevista coletiva na última terça-feira, dia 17, representantes da Samarco admitiram que há risco de rompimento nas barragens de Santarem e Germano, que ficam próximas à barragem do Fundão.
Por que Mariana?
Mariana viveu, depois do ciclo do ouro no século 18, um ciclo econômico pujante nos últimos 50 anos: o da mineração do ferro. Em seu território, alojam-se importantes empreendimentos desse que é o maior segmento da economia de Minas Gerais. As duas últimas décadas foram anos de muito progresso econômico e social para o município.
A prefeitura recebia polpudos recursos advindos dos royalties devidos à exploração de suas minas. Ruas foram asfaltadas, escolas foram construídas, monumentos e praças surgiram em toda parte. A Samarco, junto com outras grandes empresas de mineração (como a Vale), possui um grande empreendimento no município de Mariana. Mais de 3 mil funcionários diretos trabalham na mina em Mariana.
Outros tantos prestam serviços indiretos. De Mariana, parte um mineroduto, com centenas de quilômetros de extensão, que leva a polpa de minério concentrada, juntamente com muita água, para o porto de Ubu, no Espírito Santo. De 12 a 15 mil pessoas dependem da mina de Mariana da Samarco e do porto de Ubu, no Espírito Santo. Esse desastre completa uma lista de pelos menos cinco outros rompimentos de represas de rejeito, ocorridos ao longo nos últimos anos só em Minas Gerais.
Fontes:
- Cleuber Moraes Brito, professor da Universidade Estadual de Londrina e consultor em Mineração e Meio Ambiente
- Ricardo Motta Pinto Coelho, professor do Laboratório de Gestão Ambiental de Reservatórios (LGAR) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
- Rogério Fonseca, doutorando da Pós-Graduação em Ecologia pela UFMG
Rota da Lama
Zero Hora percorre o rastro de devastação provocado pelo rompimento das barragens ao longo do curso do Rio Doce. A primeira parada foi na localidade de Bento Rodrigues, no município de Mariana, que registrou mortes, desaparecimentos e foi praticamente extinta. A segunda parada foi em Paracatu de Baixo, também em Mariana (MG), onde a lama destruiu as casas e se acumula em blocos de um a dois metros de altura. Veja abaixo todas as matérias que já foram publicadas: