Tratamentos

Vamos pegar aleatoriamente três frases da semana para ilustrar o debate:

- Fala direito, que tu é gaúcho! (Mãe de uma criança que se dirigira a ela falando você).

- Você não pode ter um volante que só rouba a bola. (Treinador de futebol, explicando ideias táticas).

- Safado é Vossa Excelência! (Ministro para senador, em audiência no Congresso).

Sou adepto da informalidade, como recomenda o professor Fischer, mas sinto um certo constrangimento quando me flagro em discordância ao usar o nosso "tu" com o verbo na terceira pessoa do singular. Não acho que seja um pronome agressivo. É, sim, revelador de intimidade. Mas, na comparação com "você", é realmente mais forte. Aquela mãe estava brincando quando usou o tom de xingamento, mas se fosse de verdade ela certamente empregaria o pronome da proximidade.

- Te enxerga, menino!

E o treinador falou "você" porque se dirigia a um repórter. Se estivesse falando com o jogador, diria:

- Tu tens que roubar a bola!

Já os políticos usam o tratamento mais hipócrita, tanto para elogiar quanto para xingar.

Por isso "excelência" é quase um palavrão para as classes populares. Se fossem sinceros, usariam o "tu", como na anedota contada pelos portugueses que nos trouxeram esse pronome tão ao gosto dos gaúchos.

Conto, para finalizar.

Um diretor de banco contratou um detetive para descobrir porque seu funcionário mais brilhante, que virava o dia trabalhando, começou a ausentar-se na hora do almoço. O investigador espionou o jovem por uma semana e veio com o informe:

- Ele sai normalmente ao meio-dia, pega seu carro, vai a sua casa almoçar, faz amor com a sua mulher, fuma um dos seus excelentes charutos e regressa ao trabalho.
Satisfeito, o diretor exclamou:

- Ah, bom. Então não há mal nisso.

O detetive sorriu e perguntou:

- Posso tratá-lo por tu?

Diante da anuência do diretor, repetiu o informe:

- Ele sai normalmente ao meio-dia, pega teu carro, vai a tua casa almoçar, faz amor com a tua mulher, fuma um dos teus excelentes charutos e regressa ao trabalho.

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