Tulio Milman: haitianos, o racismo camuflado
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Cinco dias depois de receberem autorização da Justiça, os imigrantes Kerssaint Adme, 28 anos, e Marcelene Octavius, 27 anos, que não tinham documentos, se casaram nesta quarta-feira em Lajeado, no Vale do Taquari. Diante de um salão de júri quase lotado, os noivos haitianos disseram o sim - mas sem beijo ao final da cerimônia.
- Eles se abraçaram, mas o beijo vai ficar para dezembro, quando eles vão casar no religioso - conta o juiz Luís Antônio de Abreu Johnson, que celebrou o casamento civil diante de cerca de 80 pessoas - um terço delas formado por amigos haitianos.
- Foi muito emocionante, porque, para eles, tem um significado muito importante em termos de reconhecimento de direitos num país estrangeiro que adotaram para viver, e também para que possam dar seguimento à vida familiar - aponta Johnson.
Religiosos e fiéis a tradições da cultura haitiana, Adme e Marcelene se viam impossibilitados, até então, de viverem juntos e terem filhos sem o registro legal da união. O casal tinha um "namorico" no Haiti. Após o terremoto que devastou o país, em 2010, Adme veio para o Brasil em 2013 e, no ano seguinte, Marcelene chegou. Assim, foi em solo gaúcho que o relacionamento ganhou força.
Depois de meses tentado vencer as barreiras legais, conseguiram a autorização pelas mãos do juiz Johnson na sexta-feira passada. Mesmo que os imigrantes não tivessem a papelada exigida em situações normais, como documentos brasileiros de identificação ou certidão de nascimento, o magistrado baseou a decisão "nos princípios de dignidade humana, da igualdade e da afetividade que rege as relações de Direito de Família".
Além do valor simbólico, a certidão de casamento do Brasil é um passo importante para que o casal possa exercer seus direitos, como o registro de futuros filhos. Antes, tinham apenas um documento do Itamaraty afirmando que eram haitianos, em situação regular e na condição de asilados.