Uma reportagem do programa Fantástico, da TV Globo, apontou suspeitas de irregularidades em gabinete da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Vídeos gravados por um ex-chefe de gabinete e pela reportagem da RBS TV mostraram extorsão de salários de funcionários e um golpe para aumentar o valor da indenização por uso de veículo particular em serviço.
A investigação de três meses, feita pelo repórter Giovani Grizotti, registrou indícios de crimes envolvendo deputados de quatro Estados. No Rio Grande do Sul, as suspeitas foram reveladas por um ex-chefe de gabinete de Diógenes Basegio (PDT). Neuromar Gatto diz que assessores ocupantes de cargo de confiança (CCs) devolviam ao parlamentar parte ou todo o vencimento mensal. Em um dos vídeos gravados pelo ex-chefe de gabinete, o assessor Álvaro Ambrós afirma que devolvia entre "R$ 3,2 mil e R$ 3,3 mil" de um salário de R$ 7,7 mil.
- Essas pessoas traziam os valores e entregavam a mim. E eu, naturalmente, passava ao deputado esses valores, como consta nas gravações - afirma Gatto, que era o "arrecadador" do esquema e atuava em Passo Fundo, território eleitoral do pedetista.
Outra gravação mostra o publicitário de Passo Fundo Paulo Marins, que organizou campanhas de Basegio, entregando a Gatto o que seria parte do salário de sua mulher, Eliane Marins, assessora do gabinete até dezembro de 2014. A reportagem exibiu ainda flagrante em que a dona de casa Hedi Vieira, também de Passo Fundo, admite, sem saber que era gravada, que devolvia o salário a Basegio e que era assessora "só no papel".
Após fazer a arrecadação, Gatto afirma que entregava os valores ao deputado. Um vídeo mostra Basegio recebendo pacotes de dinheiro. Um, formado por notas de R$ 10, despertou uma queixa do parlamentar, em tom de ironia.
- Mas, meu Deus, que pobreza essa gente - afirma.
A investigação da RBS TV também coloca sob suspeita a forma como é feita a prestação de contas dos gabinetes para o recebimento da indenização por uso de carro particular em serviço. Esse ressarcimento garante ao parlamentar o reembolso de R$ 0,86 por quilômetro rodado.
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Odômetro alterado para garantir verba
Ex-chefe de gabinete de Diógenes Basegio (PDT), Neuromar Gatto apontou fraude para burlar os mecanismos de controle da Assembleia Legislativa, que, periodicamente, anota o registro dos odômetros. Segundo Gatto, veículos são levados até oficinas, nas quais a quilometragem é aumentada artificialmente.
- Você joga para cima essa quilometragem lá - diz Gatto, que relatou ter ido a uma mecânica da zona norte de Porto Alegre umas "seis ou sete vezes" para fazer a adulteração em favor de Basegio.
Para mostrar como a fraude é realizada, ele levou o próprio carro até o local. O golpe foi registrado por câmeras escondidas no veículo, instaladas pela RBS TV. Em menos de meia hora, a quilometragem marcada pelo odômetro foi aumentada em 5 mil quilômetros.
O custo do serviço foi de R$ 80. Durante a gravação, Gatto perguntou ao mecânico se carros da Assembleia costumam ser levados ao local, para ter a quilometragem aumentada.
- Tão vindo - respondeu o mecânico.
Questionado sobre o esquema, o presidente da Assembleia, deputado Edson Brum (PMDB), condenou a prática.
- Isso é uma vergonha. E quem cometeu esse tipo de crime, sendo comprovado, tem de pagar por isso - afirmou.
O QUE DIZ O DEPUTADO DIÓGENES BASEGIO (PDT)
Afirma desconhecer o esquema de alteração do odômetro. Sobre as supostas extorsões, afirma que o dinheiro que aparece nas imagens era de sua conta, destinado ao pagamento de funcionários do Interior que não são oficialmente ligados ao parlamento:
- Não, jamais existiu neste gabinete qualquer funcionário fantasma. Existe transparência, existe controle. Jamais chegou a nós dinheiro de qualquer funcionário.
Posted by Diogenes Basegio on Domingo, 7 de junho de 2015
Amigos, nestes últimos meses venho sofrendo inúmeras acusações falsas feitas por um antigo funcionário da Assembleia...
O QUE DIZ O PUBLICITÁRIO PAULO MARINS
Afirma que o dinheiro repassado a Neuromar Gatto, no vídeo, era referente ao pagamento de uma comissão. Diz que sua mulher trabalhava para Basegio realizando escuta de rádios e leitura de jornais de Passo Fundo para depois repassar as informações ao deputado.
O QUE DIZ A DONA DE CASA HEDI VIEIRA
Não quis se manifestar.
Irregularidades registradas em outros Estados
Assembleias legislativas de pelo menos outros três Estados também são cenário de desvio de dinheiro público, segundo a reportagem do programa Fantástico. A Organização Não-Governamental Transparência Brasil investigou os gastos de todas as assembleias do Brasil e descobriu distorções nos pagamentos de salários de assessores de deputados.
No Distrito Federal, no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Pernambuco, essa despesa é maior do que na Câmara dos Deputados, em Brasília, que só pode ter, no máximo, 25 funcionários por gabinete. No Amapá, os 24 deputados têm 2.650 cargos em comissão. Cada parlamentar tem direito a 71 assessores. É mais do que cada deputado federal pode nomear na Câmara Federal.
Uma sala de 30 metros quadrados é indicada como local de trabalho de 70 assessores. O porta-voz da Assembleia do Amapá explica que os deputados têm direito a manter assessores em todas as cidades do Estado. O Ministério Público (MP) vai entrar com ação pedido a diminuição no número de assessores. Em Alagoas, a Controladoria-geral da União (CGU) investiga a presença de dezenas de assessores fantasmas.
Em muitos casos, pessoas humildes, que vivem na periferia da cidade, e não sabiam que seus nomes constavam como servidores da Assembleia. O Ministério Público Estadual (MPE) investiga o caso, que pode chegar a um rombo de R$ 150 milhões.
Desvios também em verbas indenizatórias
Em Goiás, até um sacerdote aparece envolvido em desvios. O padre Luiz Augusto recebe como funcionário da Assembleia local desde 1980. Foi acusado formalmente pelo MP por receber sem trabalhar. O padre se defendeu justificando que o salário mensal de R$ 7,3 mil era destinado totalmente para a caridade.
O Ministério Público pede devolução de aproximadamente R$ 3 milhões. Outro foco dos desvios de dinheiro público eram as verbas indenizatórias. Além de notas frias para comprovar gastos inexistentes, empresas de fachada serviam para desviar dinheiro público. Até empresas em nome de morto era usado para comprovar aluguel de carros.