Criticado pela cautela excessiva e falta de iniciativa, o governador José Ivo Sartori tomou uma decisão extrema, classificada como "corajosa" por muitos, mas que poderá render penalizações. Sem dinheiro para pagar todas as contas de abril, ele optou por atrasar o pagamento da parcela mensal da dívida do Estado com a União.
O recurso que deveria ser enviado no próximo dia 30 ao governo federal, cerca de R$ 280 milhões, será utilizado para quitar integralmente a folha de pagamento do funcionalismo, que estava sob ameaça de sofrer parcelamento desde janeiro.
Sartori deixa reunião com Levy sem liberação de R$ 200 milhões
Rosane de Oliveira: calote da dívida é opção de Sartori
A cartada de Sartori produz uma série de efeitos políticos. Primeiro, o atraso no desembolso ganha apoio da opinião pública por privilegiar o pagamento dos funcionários públicos ante uma dívida considerada injusta e feroz, com juros elevados.
Depois, o governador emite o mais claro dos sinais de que, na sua análise, o Estado não poderá prescindir em aprovar uma série de projetos que irão à Assembleia nas próximas semanas. São cerca de 30 medidas estruturais em análise, desde a implementação da previdência complementar até o aumento de ICMS e a venda de ações do braço de seguros do Banrisul.
- Decidimos atrasar o pagamento da dívida mensal com a União para manter em dia a folha de pagamento dos servidores - afirmou Sartori, aparentando serenidade, durante entrevista à imprensa na manhã de ontem no Palácio Piratini, acompanhado de secretários.
O governador reconheceu que consequências poderão vir. O contrato permite que a União sequestre os R$ 280 milhões da parcela mensal. O atraso também pode justificar o bloqueio de repasses ordinários federais para o Estado em diversas áreas. São valores que ultrapassam em muito os R$ 280 milhões que o Piratini contingenciou.
- É bem verdade: o Estado poderá ser mais penalizado ainda. É um risco que estamos correndo com as penalizações. É a única maneira de manter a folha em dia ou ao menos pagar o mês de abril. Essa é a realidade - avaliou.
O Piratini assegura que irá quitar a dívida com a União - o prazo de pagamento é o último dia útil de cada mês - entre os dias 10 e 11 de maio. Para isso, serão utilizados os recursos do ICMS do comércio, que ingressam nas contas estaduais no mesmo período. Com essa engenharia, "apenas alguns dias de atraso", o governo gaúcho acredita que não será punido. Sartori também assegurou que não recorrerá novamente ao expediente.
Ele ainda comentou que os R$ 280 milhões da dívida, por si só, não serão suficientes para garantir o pagamento integral da folha de R$ 1,1 bilhão do Executivo. Faltarão cerca de R$ 120 milhões, o que indica déficit de R$ 400 milhões. Para cobrir a diferença, serão utilizados resquícios da conta dos depósitos judiciais - onde fica o dinheiro de partes litigantes em processos _ e fornecedores e prestadores de serviços terão os seus pagamentos atrasados. Assim fechará a conta do mês.
Embora diga que não buscará mais a "medida extrema" de atrasar a dívida, Sartori sabe que a situação poderá piorar em maio. Neste mês, incidirá uma parcela dos reajustes salariais concedidos ainda no governo Tarso aos servidores da segurança, em um calendário que se estende até 2018, com impacto de R$ 4 bilhões. O acréscimo na folha será de cerca de R$ 250 milhões somente em maio. O Piratini não descarta enviar projeto à Assembleia para prorrogar o início da vigência do aumento.
- Não vamos mais usar esse recurso de atraso da dívida porque ele se tornará insuficiente. A expectativa é de que possamos ter uma receita de ICMS mais incrementada. E com a sanção do orçamento pela presidente Dilma Rousseff temos a expectativa de receber R$ 150 milhões do Fundo de Incentivo às Exportações e R$ 60 milhões da Lei Kandir. Isso, num somatório com algum atraso no pagamento de fornecedores, poderá garantir a folha de maio - explicou o secretário da Fazenda, Giovani Feltes.
A decisão de Sartori foi amadurecida durante a quinta-feira. Pela manhã, ele foi ao gabinete do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para pedir o repasse de R$ 200 milhões devidos pelo Planalto ao Piratini. Como o pedido foi negado, sob argumento do ajuste fiscal, ele indicou ainda em Brasília o rumo que a contenda poderia tomar.
- Insinuamos ao ministro de que tomaríamos essa atitude - confirmou Sartori.
Os seus colaboradores mais próximos acreditam que ele bateu o martelo no avião, na viagem de retorno entre Brasília e Porto Alegre. Depois da chegada na capital gaúcha, convocou uma reunião com os secretários mais próximos, que acabou por volta das 23h.
O gesto anunciado ontem não deve ser encarado como uma declaração de guerra farrapa ao governo Dilma. Sartori reiterou diversas vezes que pretende manter relação respeitosa, republicana e de cumprimento de contratos. Feltes elogiou o ajuste fiscal da União. Eles sabem que, mais adiante, o Rio Grande do Sul voltará a precisar de socorro federal.
Veja como foi a coletiva:
*Zero Hora