Os depoimentos de três dos seis deputados gaúchos investigados na Operação Lava-Jato mostram o PP rachado por disputas internas e tomado por rede de intrigas. A desconfiança reflete nas declarações de Jerônimo Goergen, Luis Carlos Heinze e Renato Molling, que creditam a terceiros o envolvimento de seus nomes no esquema de corrupção.
Goergen foi o único a apontar o colega e desafeto José Otávio Germano como eventual beneficiário dos desvios. À Polícia Federal (PF), afirmou que considera a hipótese de ter sido colocado no escândalo por líderes do partido com quem tem "desavenças políticas", entre eles, José Otávio.
Molling e Heinze não citaram o colega de bancada. Molling sustenta a chance do seu nome ter sido usado por "alguém" da legenda para receber parte do dinheiro desviado de contratos na Diretoria de Abastecimento da petroleira. Heinze diz que João Pizzolatti (SC), ex-líder da bancada do PP na Câmara e para quem o doleiro Alberto Youssef teria entregue dinheiro, pode ser o responsável por colocá-lo na lista de parlamentares que receberiam uma mesada que variaria de R$ 30 mil a R$ 150 mil.
Os três parlamentares negam a participação no esquema. Eles estão entre os 39 investigados de um dos inquéritos da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal.
A relação tem outros três membros do PP gaúcho: José Otávio, Afonso Hamm e Vilson Covatti, que não prestaram depoimento.
A íntegra das falas de Goergen, Heinze e Molling revela a briga interna na legenda pelo poder que assegurava as indicações de cargos federais e a distribuição de recursos para campanhas eleitorais - conforme a investigação, a mesada paga aos deputados deveria manter o controle da bancada.
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Para Heinze, o envolvimento de deputados está relacionado com uma "estrutura corrompida de exercício partidário patrocinado pelas lideranças do partido", entre elas Pizzolatti, o ex-deputado José Janene (falecido) e o ex-ministro das Cidades Mário Negromonte. Em sua delação, Youssef indica Janene como precursor do esquema de cobrança de propina de empreiteiras na Petrobras.
Molling disse à PF que pode haver um "processo de fragilização" do PP promovido por "terceiros", sem citar nomes. Já Goergen afirmou que, se o PP integrou o esquema de corrupção, foi por meio do grupo que o controlava. O parlamentar questiona sua presença na lista, já que não era deputado federal em 2010.
Ele relatou que, quando assumiu o mandato, em 2011, a sigla era comandada pelo então presidente Francisco Dornelles (RJ), o ministro Negromonte (BA), o líder na Câmara Nelson Meurer (PR), o senador Ciro Nogueira (PI) e os deputados Dudu da Fonte (PE), Pizzolatti e Luiz Fernando Faria (MG). Ele ainda cita José Otávio, com quem tem rixa desde que defendeu o afastamento dos envolvidos na Operação Rodin do diretório estadual do PP, em 2007.
A afirmação de Goergen reforça a fala de Youssef, que coloca José Otávio em um "grupo hegemônico" do PP. Em contrapartida, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa indica que José Otávio não fazia parte desse grupo, que, junto com Faria, mantinha "isolamento" na legenda.
Quem já depôs
Heinze, Goergen e Molling já prestaram depoimento à PF. Ainda falta ouvir José Otávio, Hamm e Covatti.
O que eles disseram
Patrimônio
A investigação questionou a evolução do patrimônio de Renato Molling. Em 2010, ele informou à Justiça Eleitoral ter R$ 586,6 mil em bens, valor que passou para R$ 1,246 milhão em 2014 - alta de 112%. O deputado afirmou no depoimento que o crescimento é compatível com sua renda.
O Rolex de Costa
Goergen, Heinze e Molling afirmaram que não compareceram a eventos promovidos pelo PP em homenagem a Paulo Roberto Costa. Em depoimento, o delator afirma que, por volta de 2011, recebeu durante um jantar um relógio Rolex por ser "o homem do partido dentro da Petrobras". Costa não citou parlamentares do PP-RS entre os presentes.
Campanhas
Os três deputados investigados na Lava-Jato atribuíram ao comando do PP a captação e distribuição das doações feitas para suas campanhas pelo diretório nacional em 2010. À investigação, eles afirmaram que jamais receberam dinheiro, seja por meio de doações ou de pagamentos fora de campanha, do doleiro Alberto Youssef.
Depoimentos
Entre os investigados na Lava-Jato, José Otávio Germano e Afonso Hamm seriam os próximos a prestarem esclarecimentos na Polícia Federal (PF). Porém, o desentendimento entre PF e Procuradoria-Geral da República suspendeu os depoimentos, que serão remarcados.
Cúpula é questionada por parlamentares do Estado
Em depoimento à Polícia Federal, Luis Carlos Heinze admitiu que "já tinha ouvido falar de esquemas de corrupção" no PP. Apesar de ter "desconfiado que a cúpula do partido pudesse estar corrompida", não mudou de sigla em razão de suas "tradições" e da base eleitoral no Estado.
Assim como os colegas Jerônimo Goergen e Renato Molling, Heinze disse desconhecer Alberto Youssef e não ter patrocinado nomeações para cargos federais. Ele informou que esteve em uma reunião da bancada na Câmara entre 2006 e 2007, quando Paulo Roberto Costa, então diretor da Petrobras, foi apresentado como alguém indicado ao cargo pelo partido.
Heinze afirmou ter participado de "três ou quatro" reuniões da bancada no apartamento funcional do ex-deputado João Pizzolatti, nas quais a Petrobras não entrou na pauta. Segundo Youssef, a residência de Pizzolatti era um dos locais de entrega do dinheiro oriundo das comissões pagas pelas empreiteiras.
Crítica à gestão e às decisões do partido
Heinze criticou a condução do PP e reconheceu, como Goergen e Molling, o apoio à queda de Nelson Meurer da liderança da bancada na Câmara em agosto de 2011, substituído por Aguinaldo Ribeiro (PB) que, em 2012, derrubou Mário Negromonte do Ministério das Cidades. As mudanças deixaram a ala de Aguinaldo, Ciro Nogueira e Arthur Lira (AL) à frente do PP.
Goergen disse à PF que o PP é um partido sem "democracia interna", carente de organização e debates, com decisões tomadas por poucas pessoas.