Passava das 16h30min de segunda-feira e, após oito dias de bloqueios, a BR-116 aparentava tranquilidade: caminhões iam e vinham na rodovia em frente ao trevo de Camaquã. A cena era antagônica da situação da manhã, quando motoristas foram interceptados por manifestantes e coagidos a estacionar no pátio de dois postos de combustíveis às margens da estrada. No começo da tarde, porém, vi caminhoneiros debandarem em poucos minutos - ninguém quis explicar o porquê.
Sobraram uns 20 na beira da rodovia, que almoçaram galinhada arrematada com pão francês. Às 16h, motoristas haviam entrado em seus veículos - caminhões, carros, ônibus e motos - e dado início a um "buzinaço" no centro da cidade em demonstração de apoio da comunidade à paralisação dos caminhoneiros. Não houve qualquer incidente na carreata.
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Quando o congestionamento na BR-116 se dissipava, a estrada foi bloqueada por viaturas nos dois sentidos a uma distância de 300 metros do trevo Norte de acesso a Camaquã. Pela rodovia, no sentido Porto Alegre-Pelotas, cerca de 20 homens da Força de Choque da Polícia Rodoviária Federal (PRF) começaram a avançar em direção à entrada da cidade. Pela via lateral, ia a Força Nacional. Poucos passos adiante, a primeira bomba de gás lacrimogêneo foi lançada contra os manifestantes que recuavam para o acostamento. Saí, assim como todos à minha volta, em disparada rumo a uma correria generalizada.
Atirada a primeira bomba, um prédio em construção ao lado do pórtico amarelo, verde e vermelho de Camaquã virou escudo para os manifestantes. De lá, arremessavam pedras maiores do que bolas de tênis contra os agentes. Uma chegou a atingir as costas do inspetor da PRF que comandava a ação, outra parou em uma placa de trânsito antes que pudesse atingir esta repórter.
Dois policiais rodoviários recolheram duas faixas de lona estendidas em árvores na beira da BR-116. Elas diziam "Fora PT" e "Redução imediata do diesel/pedágio". Os agentes as colocaram junto a fios de cobre que ferviam após um foco de incêndio. O avanço da PRF e da Força Nacional com bombas de efeito moral tirou do sério quem nada tinha a ver com causas como o aumento no valor do frete.
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- Atiraram bomba no pátio da minha casa! - gritava uma moradora com um policial que cuidava da ambulância a postos para atender a feridos.
- "Tava" fumando um cigarro no posto e jogaram spray de pimenta no meu rosto - reclamou um caminhoneiro com os olhos cor de sangue.
Quando o sol começou a baixar na vegetação às margens da BR-116, os ânimos ainda se acirravam. PRF e Força Nacional não recuaram, reagindo com gás lacrimogêneo e balas de borracha. A sensação era de que o pórtico de entrada da cidade havia ficado pequeno para o número de pessoas que se concentravam para revidar a ação policial - ou, simplesmente, assistir. Inclusive, crianças e adolescentes. Do alto, um helicóptero sobrevoava a área.
Em um dos momentos mais tensos do confronto, moradores e caminhoneiros instalaram uma fileira de pallets, que fez as vezes de barricada. Não durou muito: em seguida, atearam fogo na estrutura de madeira, e a fumaça preta das chamas se misturou com a branca do gás lacrimogêneo no lusco-fusco do céu. Do outro lado da estrada, acompanhava a cena de conflito ao lado de parte da comunidade - que se dizia incrédula e afirmava jamais ter presenciado cena semelhante na cidade de 65 mil habitantes.
Manifestantes atearam fogo em pallets no pórtico de Camaquã
Foto: Ronaldo Bernardi / Agência RBS
Enquanto se estabelecia uma batalha na BR-116, o trânsito ficou, por vezes, liberado para a passagem de quem se deslocava em direção ao sul do Estado ou à Região Metropolitana. Ressoavam os estampidos secos dos tiros de borracha, e um ônibus tentava fazer o retorno para deixar o município.
- Olha o ônibus! Olha o ônibus! - disse um policial ao colega que atirava.
Dos veículos que passavam, mãos para fora das janelas carregavam celulares que filmavam e tiravam fotos do conflito. Com o barulho de foguetes arremessados por manifestantes e das bombas jogadas pelos policiais, Camaquã parecia sitiada. No meu vaivém para carregar o celular - com a bateria consumida pela cobertura ao vivo no Twitter -, entre o ponto de conflito e o posto onde o carro de Zero Hora estava estacionado, ouvia-se hostilidade contra a imprensa.
- Vai filmar o que esses caras "tão" fazendo, guria!
Na linha de frente, era o que fotógrafo Ronaldo Bernardi fazia. Substituída pela repórter Vanessa Kannenberg, que entrou a madrugada na cobertura da batalha que parecia não cessar, deixei a cidade pelas 20h. No trajeto de 130 quilômetros até Porto Alegre, viaturas da PRF com a sirene ligada corriam na direção contrária. Era um sinal: a segunda-feira não terminaria tão cedo em Camaquã.
O confronto só se encerrou por volta das 1h da madrugada.