Um dos pontos polêmicos do novo Código de Processo Civil, a possível flexibilização nas regras para o pagamento de pensão alimentícia pode ser votada hoje na Câmara dos Deputados. A proposta alteraria os artigos 867 e 869 do Projeto de Lei 8.046/2010, substituindo a prisão do devedor no regime fechado para o semiaberto, podendo ainda ser convertida em prisão domiciliar. A prisão em regime fechado seria mantida apenas em caso de reincidência.
Aflexibilização, de iniciativa do advogado especialista em direito de família Sergio Barradas Carneiro, na época em que era deputado federal (PT-BA) e relator do projeto, é duramente criticada pela bancada feminina na Câmara. A alteração também propõe maior prazo para a intimação pelo juiz, passando de três para 10 dias, e normatiza uma prática já adotada pelos magistrados, de inscrever o devedor no cadastro de inadimplentes. Entre especialistas e operadores do direito, a proposta ganha adeptos e opositores.
- Ameaça de prisão é a única forma eficaz de se fazer um devedor pagar alimento. Se não existir estabelecimento adequado para o semiaberto, vai para domiciliar. Isso não é prisão. Essa proposta acaba com a única ferramenta capaz de fazer com que não se deixe de cumprir a obrigação de garantir a sobrevivência de alguém. E aumentar o prazo de três para 10 dias não justifica, porque a fome não espera - diz a advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), que considera a modificação "desastrosa".
No Rio Grande do Sul, o regime semiaberto já é uma realidade para os devedores de pensão alimentícia, segundo a chefe da Divisão de Controle Legal (DCL) da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), Marli Ane Stock. Para ela, a medida serve para que os devedores possam trabalhar e obter o rendimento necessário para cumprir com o pagamento.
País está "na contramão da história", afirma juíza
A juíza Maura Angélica de Oliveira acredita que a proposta é um avanço. No foro regional onde atua, em Belo Horizonte, cerca de 60% dos 80 processos distribuídos mensalmente envolvem a questão de alimentos. E a maioria dos casos é resolvida por meio de conciliação.
- Outros países não adotam mais esse procedimento. Ficamos na contramão da história, ainda persistindo nessa forma de prisão. É preferível um semiaberto, porque ele (devedor) pode continuar trabalhando. Há outras formas de pressionar, como a inscrição da dívida no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e a impossibilidade de contrair empréstimo bancário.
Aprovação seria "muita ironia"
Entrevista: Rosane Ferreira - Deputada Federal (PV-RR)
A parlamentar Rosane Ferreira (PV-PR), coordenadora adjunta da bancada feminina da Câmara dos Deputados, afirma que a proposta de alteração irá penalizar mais os dependentes da pensão alimentícia do que o devedor.
Zero Hora - Quais os prejuízos dessa flexibilização?
Rosane Ferreira - Muitas vezes, o não pagamento da pensão é só uma forma de punir o ex-companheiro. Quando decreta a cobrança, o juiz o faz porque tem certeza da possibilidade do pagamento e, via de regra, é decretada a prisão, e o valor já é pago na sequência. O que queremos é não mexer no que já estava dando certo. Esta é uma das pouquíssimas políticas de defesa de crianças, adolescentes e mulheres sem condições de se prover que está dando certo no país.
ZH - A diferença no prazo tem tanto impacto assim?
Rosane - Quando se chega a essa situação, não é que se deixou de pagar três dias. Até sair o mandado judicial, há um longo e penoso caminho. E não estamos defendendo as mulheres, até porque elas também podem pagar pensão. Defendemos crianças e adolescentes, que já são vítimas da separação e também são da desatenção e do desamor.
ZH - Qual sua expectativa sobre a votação da flexibilização?
Rosane - Temos acordo com o atual relator e com o presidente e estamos preparados para alguma situação que possa advir das diversas bancadas. Mas seria muita ironia, no momento em que temos uma comissão geral para debater a violência contra a mulher, aprovarmos uma flexibilização dessa, que é também uma forma de violência.
"Prisão, em si, não é a solução"
Entrevista: Sérgio Barradas - Advogado
O advogado Sérgio Barradas Carneiro, responsável pela proposta de alteração feita na época em que era deputado federal e relator do projeto, diz que a flexibilização das regras não reduzirá a eficácia da medida coercitiva.
Zero Hora - Por que flexibilizar as regras atuais?
Sérgio Barradas Carneiro - Não extingui a prisão, apenas mitiguei e normatizei o que não tem hoje, que é a inscrição no cadastro de devedores. E essa é uma prisão de curta duração. Não dura mais de um dia, porque o sujeito (devedor) paga. De fato, mitiguei a primeira prisão para o regime semiaberto, mas o indivíduo precisa ter a liberdade para prover os meios para pagar a dívida.
ZH - Por que aumentar o prazo de intimação?
Carneiro - Quando (o juiz) decreta a prisão depois dos três meses de inadimplência, (o devedor) faz vaquinha na família ou arranja o dinheiro. Ele precisa do tempo para prover os meios de pagamento.
ZH - O regime semiaberto não seria menos eficaz?
Carneiro - Não é a prisão em regime fechado que vai resolver o problema, é a decretação da prisão. Se a ideia é apenas dar o susto da prisão, esse regime semiaberto tem o mesmo efeito. Há pais que suportam a prisão e agravam o conflito familiar. A prisão, em si, não é a solução. Busquei na minha militância em direito de família os meios para resolver o problema. E a questão da prisão domiciliar é um desvirtuamento do debate.
NÚMEROS NO ESTADO
Presos por atraso ou não pagamento de pensão no RS
- 2011 - 116
(111 homens e cinco mulheres)
- 2012 - 109
(101 homens e oito mulheres)
- 2013 - 103*
(96 homens e sete mulheres)*
Fonte: * Dos presos em 2013, 32 - todos homens - são da Região Metropolitana e cumprem a medida no Instituto Penal Pio Buck, em Porto Alegre
ESTÍMULO À CONCILIAÇÃO
Novo Código de Processo Civil prevê que os presos por dívida de pensão fiquem separados de outros detentos
- Em sessão extraordinária marcada para as 11h de hoje, o Plenário da Câmara começa a analisar os destaques ao novo Código de Processo Civil.
- Em 26 de novembro, os deputados concluíram a votação do texto-base do novo CPC, em sessão extraordinária, que durou cerca de 30 minutos.
- Um dos pontos polêmicos sobre o qual os deputados irão se debruçar hoje é o regime de prisão do devedor de pensão alimentícia. O novo texto propõe que a prisão do devedor passe do regime fechado, como é hoje, para o semiaberto.
- O regime só seria fechado em caso de reincidência. O texto também garante que os presos por dívida de pensão fiquem separados de outros detentos.
*Colaborou André Mags
DEBATE NA CÂMARA
Pena branda para quem deve pensão será votada na Câmara dos Deputados
Flexibilização de lei substitui detenção em regime fechado por semiaberto
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