O primeiro latino-americano a comandar a Igreja Católica é um homem tão simples e discreto que, até a tarde de quarta-feira, andava de ônibus e vestia um sobretudo negro nas viagens a Roma para não chamar a atenção para a roupa vistosa de cardeal.
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Quando foi elevado ao Colégio Cardinalício por João Paulo II, em 2001, o argentino Jorge Mario Bergoglio nem mesmo comprou vestimenta nova, como é tradição entre os recém-nomeados: mandou ajustar a roupa de um antecessor. Um traje novo para o jesuíta, mais de uma década depois, viria na cor branca dos sumos pontífices sob a qual terá o desafio de conciliar seu temperamento modesto com a pompa do Vaticano.
A primeira aparição do filho de imigrantes italianos para o mundo como líder católico, logo depois de eleito, deu mostras de que pretende manter o tom de humildade que o caracterizou no longo caminho à Santa Sé. Ainda no balcão de onde acenou para a multidão eufórica na fria e chuvosa Praça de São Pedro, na tarde de ontem, o papa Francisco recitou uma oração para seu predecessor, Bento XVI, e tomou a iniciativa de pedir aos fiéis que abençoassem a ele próprio no início de sua nova missão.
Torce pelo San Lorenzo e gosta de música clássica e de tango
Quem conhece o cardeal nascido há 76 anos em Buenos Aires diz que o gesto não foi ocasional, mas refletiu um hábito do religioso. Às pessoas que encontra, costuma pedir que rezem por ele. Entre os principais beneficiários das preces que o próprio Bergoglio recita estão os pobres - tão comuns na América do Sul de onde ele saiu para guiar o rebanho de mais de 1,1 bilhão de católicos. Em um encontro de bispos latino-americanos, em 2007, declarou:
- Vivemos na parte mais desigual do mundo, que mais cresceu, mas menos reduziu a miséria. A distribuição injusta da riqueza persiste, criando uma situação de pecado social que clama aos céus e limita as possibilidades de uma vida mais plena para tantos de nossos irmãos.
O religioso procurou viver de acordo com essas palavras. Mesmo como arcebispo de Buenos Aires, optou por morar em um apartamento pequeno ao lado da catedral portenha em vez de viver nos aposentos sofisticados reservados para o líder da Igreja da capital argentina. De lá, onde cozinha sua própria comida, o torcedor do clube de futebol San Lorenzo, admirador de música clássica e tango e fã do escritor russo Fiódor Dostoiévski testemunhou muitas das manifestações populares realizadas em meio às crises econômicas argentinas. O que viu de sua janela, que se abria para a tradicional Plaza de Mayo, ajudou a torná-lo um crítico dos riscos da globalização.
Em imagem de 2007, o então cardeal argentino bebe chimarrão em Buenos Aires. FOTO: Javier Raul Dresco, AFP
Apesar do estilo frugal e da simpatia com a situação dos menos favorecidos, Bergoglio não escapa de duras críticas de opositores. As principais restrições dizem respeito a sua atuação durante a ditadura militar argentina nas décadas de 70 e 80. O jornalista Horacio Verbitsky sustenta que o novo papa adotou uma postura simpática ao regime e teria fornecido informações que levaram ao sequestro de dois jovens religiosos pelos militares. O cardeal argentino sempre negou essas afirmações.
O novo papa também é criticado por seu conservadorismo envolvendo questões morais relevantes para a Igreja, como o casamento gay ou a adoção de crianças por casais homossexuais. A partir de agora, o primeiro pontífice das Américas terá o desafio de manter a boa saúde, ameaçada pela idade avançada e pela perda de um pulmão devido a problemas respiratórios quando era ainda jovem, e de impor ao ambiente sofisticado do Vaticano seu estilo despojado e avesso ao brilho pessoal.