A multiplicação das cremações leva cada vez mais pessoas a experimentar uma nova maneira de homenagear os mortos no Dia de Finados. Com as cinzas dispersas ao vento e sem o corpo dentro de uma sepultura para reverenciar, famílias buscam um ponto de referência onde possam prestar tributo. Muitas vezes, trata-se do próprio local do adeus: o crematório.
Há dois anos, a aposentada Zélia Reinaldo Perna, 55 anos, atendeu ao desejo do marido, Adalberto Perna, e atirou a urna com suas cinzas em um conjunto de rochas localizado em Gramado. O casal costumava acampar no local, próximo a uma zona de mata nativa. Zélia não subirá à Serra hoje. A homenagem que ela prestará consiste em ir até o Crematório Metropolitano São José para acompanhar uma missa na capela onde ocorreu a cerimônia de despedida do companheiro.
- As cinzas não significam nada. O importante é a lembrança que fica - observa a aposentada.
A decisão sobre a melhor forma de homenagear, no Dia de Finados, quem converteu-se em cinza é um dilema recente no Rio Grande do Sul. Faz apenas 15 anos que o primeiro crematório foi aberto, em São Leopoldo. O avanço, no entanto, foi veloz. Nesse período, a proporção de famílias de Porto Alegre que se decidem pela cremação já alcançou a faixa dos 15% - índice que os norte-americanos demoraram um século para atingir a partir da inauguração do primeiro crematório.
A maior parte dos gaúchos que fazem a cremação decide levar as cinzas embora consigo. Segundo Márcio Rolim, coordenador do Cemitério João XXIII, é raro manter a urna em casa:
- O normal é a família aspergir as cinzas em um local que a pessoa gostava, como o mar, um rio, uma praça.
Para algumas pessoas, esse local da aspersão pode virar o endereço das homenagens póstumas, mas registra-se no Estado a tendência de conferir ao crematório funções que vão além da conversão do corpo em pó - aproximando-o dos cemitérios. Segundo dados do grupo Cortel, responsável pelos crematórios São José, Saint Hilaire e Cristo Rei, 40% dos cremados são deixados nos próprios locais.
- Como existe a preocupação do vínculo com um espaço onde serão prestadas as homenagens, criamos opções dentro do crematório. Temos uma área para as pessoas aspergirem as cinzas, nichos que funcionam como pequenos jazigos e um columbário onde as urnas podem ser visualizadas. O importante é que a cremação não desorganize a cabeça das pessoas - observa José Elias Flores Jr, vice-presidente da Cortel.
Tempos atrás, a família da aposentada Adair Martins, 72 anos, vendeu um jazigo perpétuo em um cemitério e optou por um nicho de crematório. Há três anos e meio, ela comparece ao local para amenizar a saudade do marido, Pedro Martins.
- Faço visitas para orar e conversar com ele no aniversário, no Natal, no Dia dos Pais e no Dia de Finados. Não queríamos dar comida para os bichos debaixo da terra, mas precisávamos de um ponto de referência - explica Adair.
Mudança de hábito
Crematórios viram ponto de visitação no Dia de Finados
Multiplicação das cremações no Estado leva famílias gaúchas a buscarem ponto de referência para homenagens
Itamar Melo - de Capão da Canoa
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