Dez anos separam este O Espetacular Homem-Aranha, de Marc Webb, que reconta a origem do super-herói dos gibis, com novo elenco, do Homem-Aranha dirigido por Sam Raimi, que deu a largada em 2002 a uma trilogia bem-sucedida nas bilheterias (os dois primeiros também conquistaram os críticos). Com tão curto intervalo entre um filme e outro, fica a pergunta: vale a pena assistir à superprodução que estreia hoje nos cinemas, em cópias 3D e convencionais, legendadas ou dubladas? ZH comparou os dois títulos. Veja o veredicto:
A trama
> Como se espelhasse uma teia de aranha, o roteiro de O Espetacular Homem-Aranha interliga uma série de personagens e eventos. Na infância, Peter Parker é deixado aos cuidados de tia May e tio Ben - o pai, funcionário da Oscorp (a empresa de Norman Osborn, futuro vilão Duende Verde), ameaçado, precisa fugir. Já adolescente, o rapaz procura desvendar esse desaparecimento. Descobre que seu pai estava envolvido em um projeto com aranhas desenvolvidas em laboratório, ao lado do cientista Curt Connors - que, como os leitores dos gibis sabem, vai se transformar no Lagarto. Completando a ciranda, quem trabalha como estagiária de Connors na Oscorp é Gwen Stacy, a paixão platônica de Parker na escola.
A trama de Homem-Aranha é muito mais simples e bem resolvida. Um dos acertos é não forçar a mão nas coincidências - só há, basicamente, o fato de Norman Osborn ser pai do melhor amigo de Peter. Aliás, faz-se um bom uso do espelhamento na relação do Aranha com o Duende Verde: ambos surgem ao mundo na mesma noite.
Homem-Aranha > O Espetacular Homem-Aranha
Origem do herói
> Nos dois filmes, Parker é picado por uma aranha modificada geneticamente e descobre seus superpoderes em situações cotidianas, com humor - aos poucos no longa de Sam Raimi, com mais velocidade no de Marc Webb. Em ambos, um ringue de luta livre inspira a confecção do uniforme. A principal diferença: no primeiro, a teia é orgânica; no segundo, um artefato desenvolvido por Parker. Pode ser fiel aos quadrinhos, mas - me desculpem os fãs xiitas - faz mais sentido que um sujeito, ao adquirir poderes de aranha, também seja capaz de lançar teias.
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O protagonista
> Visto na pele do brasileiro Eduardo Saverin em A Rede Social (2010), Andrew Garfield, o novo Peter Parker, tem recursos dramáticos que faltam a Tobey Maguire - que passa quase todo o filme de 2002 com uma cara de bobão. O ator americano de 28 anos (mas com cara de 18) transmite convincentemente a inaptidão de Peter para as relações humanas, sua alegria infantil diante das novas habilidades, sua fúria vingativa contra o assassino de um ente querido - e também sabe emprestar ironia e sarcasmo ao Aranha.
O Espetacular Homem-Aranha > Homem-Aranha
A mocinha
> Emma Stone é mais bonita e sensual do que Kirsten Dunst, mas a ruiva interpretada pela loira no filme de 2002 tem mais carne e osso do que a loira interpretada pela ruiva em 2012. Você compra desde a primeira cena a Mary Jane de Kirsten - uma suburbana que namora o valentão da escola, mas que, no fundo, sonha com uma vida totalmente diferente. Não dá para engolir que a Gwen Stacy de Emma seja um gênio da ciência. Ah, e o beijo de ponta-cabeça entre Aranha e MJ virou ícone - sem mais perguntas, meritíssimo.
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O vilão
> É quase covardia. Em 2002, o inimigo era o maior de todos, o Duende Verde, encarnado com gana por Willem Dafoe, que um pouco antes havia sido indicado ao Oscar por A Sombra do Vampiro. Em 2012, o rival é até mais antigo - o Lagarto surgiu em 1963, um ano antes - e guarda em comum com o antecessor o desejo de brincar de Deus. Mas, no ranking dos vilões do Aranha, está abaixo de outros três personagens: Dr. Octopus, Escorpião e Venom (meu coraçãozinho oitentista inclui Kraven, o Caçador, protagonista de um gibi clássico daquela década, A Última Caçada de Kraven). Quem interpreta o Lagarto, com uma sobriedade digna de elogio quando está na pele de Curt Connors, é Rhys Ifans, de Um Lugar Chamado Notting Hill. Quando é o Lagarto em si que aparece em cena, o personagem vira apenas um barulhento monstro gerado em computação gráfica.
Homem-Aranha > O Espetacular Homem-Aranha
Os coadjuvantes
> O capitão Stacy encarnado por Denis Leary faz as vezes do impagável J. Jonah Jameson (JK Simmons) da trilogia original: é a, digamos, autoridade que empreende campanha contra o aracnídeo - e também uma das veias cômicas do filme (a tirada sobre Tóquio é hilária). O tio Ben, interpretado por Martin Sheen no novo filme, é mais robusto do que o vivido por Cliff Robertson em 2002 - e suas piadas, mais engraçadas, como aquela sobre o bolo de carne da tia May. Esta, por sua vez, foi melhor caracterizada em 2002: Rosemary Harris era a cara e o jeito da personagem, enquanto Sally Field nem se dignou a tingir os cabelos de branco - por favor, tia May já nasceu velhinha!
Homem-Aranha = O Espetacular Homem-Aranha
Cenas de ação e efeitos
> Se o filme de Webb perdesse nesse quesito, seria de fechar o estúdio que o produziu. No Homem-Aranha, chegam a ser fajutas as primeiras cenas de Parker voando pelos arranha-céus de Nova York - depois, já com o uniforme definitivo, a coisa melhora. Há bons combates do Aranha com o Duende, como a sequência na ponte do Brooklyn ("a escolha sádica de um lunático", nas palavras do vilão), mas nada que se equipare a O Espetacular Homem-Aranha - curiosamente, de novo há uma eletrizante (e até tocante) cena na mesma ponte.
O Espetacular Homem-Aranha > Homem-Aranha
Fator Stan Lee
> Criador dos principais super-heróis da editora Marvel, Stan Lee, 89 anos, faz pontinhas nas adaptações para o cinema de seus personagens. No filme de 2002, a aparição é muito rápida e nada singular, durante um ataque do Duende Verde em Nova York. O Espetacular Homem-Aranha dá ao gênio a merecida reverência, em uma sequência mais extensa, mais criativa e bem divertida.
O Espetacular Homem-Aranha > Homem-Aranha
A transcendência
> Os gibis da Marvel se destacaram nos anos 1960 por não se resumirem a aventuras de super-herói. Os X-Men serviam de metáfora da perseguição às minorias étnicas e sexuais; o Hulk simboliza o inconsciente reprimido; o Surfista Prateado panfleteava mensagens de paz e ecologia. Ao Homem-Aranha, cabia refletir sobre as delícias e as torturas do universo adolescente. O Espetacular Homem-Aranha opera isso de modo mais cruel - logo, mais realista. Porém, comete o pecado de não citar, ipsis litteris, a frase-mantra do personagem e de qualquer garoto prestes a entrar na vida adulta: "Um grande poder traz grande responsabilidade", dita com todas as letras por tio Ben em Homem-Aranha.
O Espetacular Homem-Aranha = Homem-Aranha
Veredicto
> Homem-Aranha 6x5 O Espetacular Homem-Aranha. Parece apertado, mas o primeiro reina nos quesitos mais nobres, e o novo ganha em categorias técnicas.