Cristiane Avancini Alves*
Há quase um ano, o jornal Zero Hora publicou, na edição de 20 de junho de 2011 (p.30), notícia sobre o debate ético suscitado acerca de imagens de uma cirurgia publicada na rede social Facebook, e dos comentários postados na internet a respeito das referidas fotos, que geraram a indignação dos leitores e a manifestação sobre a adequação ética do uso de imagens não autorizadas pelo paciente. O que causa consternação é perceber que, transcorrido esse tempo, uma situação semelhante ocorreu recentemente num hospital do Paraná. O vídeo de uma cirurgia para a retirada de um peixe do intestino de um paciente foi colocado na internet sem a sua autorização e, mais, as imagens, que aparecem numa recente reportagem do jornal Bom Dia Brasil, retratam que as referidas fotos e vídeo passaram de celular para celular durante a própria cirurgia, até serem postados na rede. A matéria traz o depoimento de familiares do paciente, que se sentiram desrespeitados com a situação. O Conselho Regional de Medicina abriu uma sindicância para averiguar o caso.
Neste tempo de polêmicas sobre a publicação de imagens na internet - nestes últimos dias, a mídia tem retratado o caso que envolve a publicação de fotos íntimas da atriz Carolina Dieckmann e a tentativa de extorsão que ela sofreu para que essas mesmas fotos não fossem colocadas na rede -, é interessante lembrar o ponto de partida do direito à privacidade. Em 1890, na cidade norte-americana de Boston, a esposa de um conhecido advogado aparecia constantemente nas colunas sociais da época. Esse fato incomodou o advogado, que, juntamente com um amigo que se tornou juiz da Suprema Corte Americana, publicou o artigo "The right to privacy" na Harvard Law Review daquele ano. O texto demonstra que existe uma esfera da vida que pertence unicamente à própria pessoa, ou também às pessoas com quem queremos compartilhar nossa intimidade. Ela, a intimidade, torna-se, assim, fundamento da privacidade.
Você concorda com a autora quanto à afirmação de que cada um é responsável pela forma como usa a internet?
Mais do que indicar, agora, os responsáveis legais pelas situações citadas, é importante lembrar da nossa própria responsabilidade na utilização da rede e na publicação de imagens e vídeos que possam comprometer ou ofender nossa privacidade. Se, como o próprio nome já diz, temos uma esfera privada, não podemos deixar de nos questionar, de refletir e de perceber que somos os principais cuidadores da nossa imagem e, assim, das nossas vidas. E essa percepção reflete-se em nossa formação profissional e pessoal. Devemos ser instigados a olhar a realidade como ela é, na sua natureza palpável, e não na transposição pura e simples dessa mesma realidade para uma tela de computador, tornando a vida um filme que posso editar, cortar, copiar, espetacularizando e levando a público momentos que fazem parte de uma história efetivamente privada. Cabe, apenas e tão somente, a cada um de nós decidir a quem mostrar (ou não) o filme sem cortes das nossas vidas.
*Professora universitária, professora de Teoria Geral do Direito do UniRitter, doutora em Direito pela Scuola Superiore Sant'Anna de Pisa, Itália, mestre em Direito pela UFRGS