Bem antes de conseguir o aval da DreamWorks para dirigir Histórias Cruzadas, Tate Taylor já estava tão possuído pelo livro de Kathryn Stockett, A Resposta, no Brasil, que não apenas já tinha o roteiro como embarcou numa viagem com o diretor de arte Mark Ricker pelo Mississippi, em busca de locações. Taylor encontrou o cenário que queria em Greenwood. Fotografou minuciosamente casas, ruas, praças. Fez um álbum com o tipo de intervenção que julgava necessária.
Na DreamWorks, ele teve o apoio de dois diretores/produtores, Steven Spielberg e Chris Columbus. Quando Spielberg disse que ele tinha de filmar em locação, no Sul dos EUA, Taylor sacou seu álbum e mostrou as fotos de Greenwood. Na entrevista por telefone (de Los Angeles), ele contou como Histórias Cruzadas terminou sendo uma experiência mágica. Sua amiga, a escritora Kathryn Stockett, vendeu os direitos com a condição de que ele dirigisse, Columbus e Spielberg o apoiaram.
Em Greenwood, todo mundo alugou casas e, como se fossem, habitantes do local, visitavam-se para almoçar, jantar ou simplesmente falar sobre o filme. O pai, a mãe e a babá de Tate Taylor atuam em pequenas cenas, a irmã de Kathryn faz Skeeter quando jovem, no flash-back. Por quê?
- Tenho a impressão de que, quando ficar mais velho, vou gostar de rever Histórias Cruzadas para reencontrar esses rostos amigos, queridos.
O filme é sobre um mundo em transformação - é sobre o poder da linguagem, a força das palavras, também. Uma jovem (branca) reconstitui as histórias de domésticas negras, no racista Sul dos EUA, num momento em que o mundo ia começar a mudar. São histórias de mulheres - afro-americanas, mas também brancas - oprimidas, reprimidas e discriminadas, como em A Cor Púrpura, de Spielberg. Histórias de amizades femininas, como em Tomates Verdes Fritos. Histórias não deixa de ser o Tomates Verdes Fritos em versão afro. Taylor conhece bem o filme de Spielberg. Tem um registro mais vago do de Jon Avnet.
Ele nunca duvidou que Viola Davis seria perfeita na pele da protagonista, Aibileen, e aqui cabe assinalar que, no livro, existem três narradoras - além de Aibileen, Skeeter e Minny.
- Tinha medo de que o filme se tornasse dispersivo. De cara, disse a Kathryn (Stockett) o que pretendia fazer. Queria adotar o ponto de vista da mais oprimida dessas mulheres, da que encarna a mudança. Ela me disse que não entendia nada de roteiro e não ia interferir. Kathryn foi a Greenwood e ficou rondando no set, mas nunca para saber se eu estava sendo fiel. Depois de viajar ao passado no livro, ela acompanhou com muita emoção a recriação viva desse passado no set.
Quando Kathryn lhe abriu uma porta para contar essa história, Taylor nunca se perguntou se estaria à altura, se seria capaz.
- Kathryn e eu somos do Sul, conhecemos o estilo segregacionista de vida. Conhecemos essas mulheres. Eu tive uma babá negra que me amamentou e para mim foi tão importante quanto minha mãe. Ambas sempre me amaram, apoiaram. Somente mais tarde tive condições de avaliar quanto a vida da nanny tinha sido difícil. Pensava muito nela, e em mulheres como ela, enquanto contava essa história.
Ao receber o prêmio de melhor atriz do SAG, o sindicato dos atores dos EUA, no fim de semana - derrotando a favorita Meryl Streep, de A Dama de Ferro -, Viola Davis fez um agradecimento especial a Cicely Tyson, que estava na plateia. Há 40 anos, Cicely foi indicada para o Oscar por Lágrimas de Esperança/Sounder, de Martin Ritt. Não ganhou o prêmio, mas, como disse Viola, foi uma eterna inspiração para a atriz que ela sempre quis ser. Tate Taylor pode dizer o mesmo de Ritt. Ele sabe que seu filme não é tão bom, austero, contundente quanto a obra-prima de 1972, mas absorve lições sobre integração social (e humanidade) que valem reter.
Taylor não poupa elogios a Bryce Dallas Howard e Sissy Spacek. Lamenta ter cortado cenas filmadas com Bryce, mas que se revelaram dispensáveis na montagem final.
- Bryce foi fantástica e sinalizou um caminho que Sissy, grande atriz, seguiu, fazendo com que suas personagens de mãe e filha sejam completamente reais, para mim. É um dos prazeres do cinema. Você tira o personagem do papel, do livro, do roteiro, e lhe dá uma vida.
Leia a entrevista com o diretor abaixo
Pergunta -Tudo bem que você já era amigo da escritora Kathryn Stockett, mas o que o motivou a adaptar o livro dela?
Tate Taylor - Quando vim para Hollywood, em 1996, havia decidido que queria contar histórias. E as histórias que queria contar não eram fantásticas, eram de gente. Encontrei um material muito rico no livro de Kathryn, que também é do Sul (dos EUA), como eu. Ela escreveu sobre pessoas que conhecia, eu as filmei porque também as conheço. Além do livro, fiz pesquisas com mulheres que viveram os duros tempos das lutas por direitos civis, há 50, 60 anos. Procurei colocar na telas essas histórias, e de um jeito particular. Nós, do Sul, temos o gosto da narrativa. Se você quer barganhar, não importa o que, vai contar uma história. Se quer reclamar, cumprimentar, nunca é direto. Conta uma história. Foi isso que me motivou. A humanidade dos personagens, e falo basicamente das mulheres, a pluralidade de suas vozes.
Pergunta - Há muitos anos atrás houve um filme que não deixa de ter relação com o seu. Uma História Americana, de Richard Pearce, sobre patroa e empregada que participam da marcha por direitos civis. Conhece?
Taylor - Sissy (Spacek) era uma das atrizes (com Whoopi Goldberg). Sissy tem uma bela participação em Histórias Cruzadas. Tive o privilégio de reunir um elenco extraordinário, com todas essas atrizes. Sissy me falou sobre esse filme, sobre uma mulher branca oprimida que se une à empregada na marcha pelos direitos, no fundo, das duas. Conheço muito bem o melhor e o pior da natureza humana. Os afrodescendentes foram humilhados e reprimidos no Sul. É incontável a lista dos que morreram assassinados. Mas havia gente com uma consciência. Um dos grandes filmes para mim é O Sol ê para Todos, baseado no livro de Harper Lee, sobre advogado que dá lições de civilidade aos filhos numa questão envolvendo racismo.
Pergunta - Como você conseguiu reunir todas essas atrizes?
Taylor - Viola (Davis) estava na minha mira desde o começo. Sabia do que ela é capaz e nunca duvidei de que faria o papel maravilhosamente. Octavia (Spencer) é minha amiga. Viemos juntos para Los Angeles, ela querendo ser atriz, eu querendo ser diretor. Assim como Kathryn me apoiou e me fez o diretor do filme, eu me bati por Octavia porque sabia que ninguém, melhor que ela, poderia fazer a personagem. Jessica (Chastain) foi um golpe de sorte. Ela ainda não era Jessica Chastain. Fez o teste, gostei demais. Depois veio toda essa história de A àrvore da Vida. Nada me alegra mais do que as minhas escolhas de elenco.
Entrevista
Diretor explica suas escolhas em "Histórias Cruzadas"
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