O final de 2015 será inesquecível para o gaúcho Samuel Albrecht e para a carioca Isabel Swan. Cinco dias antes do Natal, a dupla do Veleiros do Sul conquistou, na classe Nacra 17, a última vaga da equipe de vela do Brasil nos Jogos do Rio. E o carimbo na credencial olímpica veio com sofrimento. Os dois ficaram de fora da regata decisiva na Copa do Brasil de Vela, no Rio, e tiveram de secar seus rivais com os pés fincados na terra firme.
O retorno a uma Olimpíada - pelo Clube dos Jangadeiros, Isabel conquistou o bronze na classe 470 ao lado de Fernanda Oliveira em Pequim 2008, evento em que Samuel participou ao lado de Fábio Pillar na 470 masculina - foi melhor presente que os velejadores poderiam pedir, depois de seis meses de treinos intensos e incertezas. Em meados de 2015, o timoneiro teve de tomar uma decisão difícil: desmanchar a parceria com a proeira Géorgia Silva. Os resultados obtidos até então na classe que estreará no programa dos Jogos eram decepcionantes.
A vaga olímpica foi, também, um presente caro. Para se preparar em tão curto espaço de tempo, a nova dupla teve de abrir a carteira. No segundo semestre, desembolsaram cerca de R$ 150 mil. Mas o investimento valeu a pena, diz Samuca:
- Vamos continuar competindo em alto nível com os melhores velejadores do mundo. Brinco que esse investimento é o meu pós-gradução para seguir na vela por mais tempo.
Já Isabel destaca que Porto Alegre "combina" com ela:
- A cidade traz ótima lembranças. Fico muito feliz de ter as portas abertas aí.
A seguir, leia entrevistas dos dois velejadores.
Entrevista: Isabel Swan
"Sonho com o pódio"
Em Niterói, onde Isabel e sua família moram, a proeira de 32 anos conversou por telefone com ZH na quarta-feira.
A vaga olímpica foi um presente e tanto de Natal para vocês, não?
Foi um baita presente. Para mim foi muito especial, um recomeço. Tive pouco tempo para me acostumar à proa do novo barco. Eu sofri neste processo, não foi uma adaptação fácil. É uma proa violenta, o barco ´r rápido. Fiquei muito feliz de ter tido coragem de ir até o final, ao lado do Samuel, que é um grande velejador, para conseguir essa vaga tão sonhada, depois de eu ter ajudado a trazer a Olimpíada para o Rio, em 2009, com discurso em Copenhague.
O que você destaca em velejar com um parceiro do sexo masculino?
Os treinos foram muitos intensificados. Gostei muito da dinâmica de velejar com homem. Nunca tinha velejado em alto rendimento com homem. Foi positivo pela objetividade a bordo. Cada um traz características que integram mais, por essa diversidade. Se souber usar as qualidades de cada um, rende bem. A mulher ajuda muito, por exemplo, no emocional quando as coisas não estão bem, em dar suporte. A minha postura ao velejar é de sempre acreditar nos objetivos.
Competir na Baía da Guanabara será uma vantagem para os brasileiros?
Os brasileiros conhecem bens os detalhes da baía, as formações geológicas que influenciam tanto o vento quanto as marés. Mas eu não quero acreditar que é uma vantagem para nós, para isso me deixar ligada, e não acabar fazendo passar algum detalhe. Prefiro encarar como se não fosse nossa casa e a gente tivesse que aprender ainda mais. É assim que estou pensando.
Você sonha com a medalha no Rio?
O sonho de voltar ao pódio tem de ser alimentado. Não vai ser fácil, mas se a gente não sonhar não consegue chegar a lugar algum. Então, eu sonho, sim, com o pódio.
Porto Alegre traz boas recordações para você, né?
Com certeza, ótima lembranças. Porto Alegre combina comigo (risos). Foi muito bem recebida nos dois clubes, o Jangadeiros está no meu coração, é um clube lindíssimo que sempre me recebeu muito bem, assim como o Veleiros. Eu fico muito feliz de ter as portas abertas aí.
Entrevista: Samuel Albrecht
"Não estou ansioso"
O timoneiro de 34 anos está em Punta del Este, onde participará de uma regata oceânica. Leia trechos da entrevista.
Você está se dividindo entre as classes oceânica e Nacra 17?
A classe oceânica é uma atividade que participo há muitos anos. Na vela eu me divido nas classes olímpicas e oceânica. Na classe oceânica é onde o velejador consegue viver da vela, consegue ganhar dinheiro. Além de ser o tático da equipe, sou o manager do projeto. Temos um projeto de três barcos. Temos feito regatas longas, de dois dias, para bater recordes.
O sua expectativa e nível de ansiedade foi maior em 2008, quando você estreou em Olimpíada, ou agora, pelo fato de disputar os Jogos no Brasil?
Não estou ansioso. Não sei se é porque ainda não caiu a ficha ou se eu estou tão concentrado nos treinamentos. Os últimos seis meses foram tão intensos que ainda não estou pensando na Olimpíada. Estou pensando em evento por evento, e a Olimpíada ainda está distante. É óbvio que o planejamento é chegar bem à Olimpíada, mas estou muito concentrado no presente.
Competir em casa vai ser um diferencial para os brasileiros?
Sem dúvida, ajuda sim, não só para mim como a equipe brasileira toda. Hoje os gringos já conhecem a Baía da Guanabara, mas ainda não conhecem todas as condições. Então, quando fugir um pouco do padrão, podemos ter uma vantagem por ter mais horas navegadas do que eles aqui.
Como foi a adaptação à classe Nacra 17?
Para mim foi bem difícil. Primeiro porque eu tinha parado de competir em classes olímpicas. Depois de 2008, eu decidi só velejar em barcos grandes. Em 2013, eu resolvi voltar justamente porque estava surgindo uma nova classe, que era o Nacra, em que todos ao atletas começariam nas mesmas condições, sem o desenvolvimentos de novos materiais, e isso economiza tempo e dinheiro, e por ser um barco catamarã, uma tendência da vela mundial, de barcos modernos e rápidos. O conceito da velejada é bem diferente da escola que tive, é um barco multicasco (são dois cascos). É um barco muito voltado ao público, com regatas perto da praia, em que qualquer vento fraco o barco anda.
Vocês tiveram um dezembro intenso, com duas competições que definiram a vaga olímpica.
A gente veio nos últimos seis meses em um ritmo muito forte desde que resolvemos fazer a troca na dupla. Tivemos de correr atrás do tempo perdido. Tivemos que disputar campeonatos e regatas para somar o máximo de horas possível por dia para chegar em dezembro pronto, com chances. O tempo era nosso maior desafio. Tinha certeza de que, se a gente conseguisse passar por dezembro, teríamos um ano de 2016 muito bom, e agora já estamos colhendo os frutos.
Como foi a decisão de trocar de parceira?
Desembarcar a Geórgia, que me ajudou e durante muito tempo foi minha parceira, não foi uma decisão fácil, Mas era uma decisão que precisava ser tomada, a gente não vinha alcançando uma evolução, bom resultados. Tínhamos também um limitante importante de patrocínios para investir no nosso projeto. Investimos R$ 150 mil nos últimos seis meses em despesas para treinar e competir. A parte física para a Geórgia era outro complicador, ela tinha dificuldade de atingir o peso necessário (no caso, aumentar o peso).
Como foi a adaptação com a Isabel?
No começo eu tive um pouco mais de dificuldade porque eu passava muito tempo tentando ajudá-la, antecipando situações para ela não ser pega de surpresa com determinada manobra. Mas ela foi demonstrando bom trabalho, se dedicando, fazendo as tarefas com êxito, e isso foi me permitindo exercer o meu trabalho, que é dirigir o barco rápido, escolher as melhores estratégias. Ela tem um biotipo e uma capacidade física muito boa, que faz dela uma das melhores proeiras do circuito. A estatura dela é um fator importante, por ela ser alta, gera muita potência ao barco.
A vela consome muito do teu tempo?
Os meus amigos pessoais giram em torno da vela, as minhas férias giram em torno da vela. Agora mesmo, em férias, eu acabava vindo à marina (de Punta del Este) para conferir se estava tudo certo com o barco. É complicado eu conseguir me desligar.
Confira o calendário olímpico até os Jogos