Feliz é o clube que tem como maior ídolo um torcedor.
O Nicolau Fico, simpático estádio do Grêmio Atlético Farroupilha, não terá mais a trilha sonora que acompanhava os jogos. Calou-se na terça-feira (29) a voz que acompanhava o Fantasma, apelido do Tricolor Pelotense no bairro Fragata. Trem, cujo nome oficial era Guilherme Silva Dias, era o torcedor-símbolo do Farrapo, e morreu na terça, aos 80 anos, após complicações de um AVC.
Há cinco dias, ele estava internado na Santa Casa de Rio Grande, cidade onde morava, e de onde partia algumas horas antes de cada jogo de seu time. Colocava um boné, vestia um abrigo e pegava a bandeira nas cores verde, amarela e vermelha, a qual guardava em um estojo feito especialmente para isso. Tirava de lá assim que cruzava o portão. Desenrolava e começava seu grito: "Meu Far-rou-pi-lha! Meu Far-rou-pi-lha!". Passava os 90 minutos apoiando seu time. E apenas apoiando. Não há qualquer registro que Trem tenha xingado algum adversário, árbitro ou até jogador de seu time. Também por isso, era tão querido.
Clubes da Zona Sul, como os rivais Brasil-Pel e Pelotas, além do São Paulo-RG, postaram homenagens ao histórico torcedor. Essa relação com os adversários rendeu lindas histórias. Quem conta é o professor Alcy Moraes, atual vice-presidente de futebol do Farroupilha, parceiro de arquibancada há mais de 60 anos:
— Fomos jogar em Três de Maio, lá na fronteira com a Argentina. Estávamos no vestiário, faltava meia hora para começar o jogo e ouvimos os gritos da torcida. Achei estranho o time entrar em campo tanto tempo antes. Fui ver. Era o Trem, chegando no estádio com a bandeira. Foi aplaudido de pé.
Em 2015, Trem foi o personagem de uma reportagem especial do Diário Popular, de Pelotas. Nela, além de falar de seu amor pelo clube, fez um pedido:
— A maior dádiva que Deus pode me dar é me deixar morrer no campo do Farroupilha. Mas se isso não acontecer, quero que meus ossos sejam depositados no mausoléu dos campeões.
Parte de seu desejo já foi atendido. O velório ocorreu no estádio que tanto frequentou. Seu corpo está sepultado no cemitério localizado do outro lado da rua. Mas em quatro anos, seus restos mortais serão levados ao mausoléu e serão depositados ao lado dos "campeões de 1935".
Trem, que recebeu esse apelido ainda quando jogava no Belém (time amador da cidade, antes de vestir as cores do Farroupilha, claro!), graças à força física, por correr demais, de um lado ao outro, como um trem, deixa mulher, seis filhos e 13 netos. Figuras influentes do futebol gaúcho iniciaram movimentação para que a FGF escolha seu nome para batizar a Copa do segundo semestre.