Durou apenas cinco minutos um dos mais marcantes clássicos entre Brasil e Argentina, neste domingo (5), pelas Eliminatórias da Copa do Mundo. A pandemia, bem como os protocolos sanitários, pareciam novidade quando uma confusão começou a ganhar corpo na Arena Corinthians, em São Paulo. À beira do gramado, funcionários da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pediam que o jogo fosse interrompido. Foi então que o árbitro Jesús Valenzuela ordenou a paralisação. A partir daí, o que se viu foi uma hora de discussões e indefinição.
A ordem da Anvisa se deu por conta da presença de quatro jogadores argentinos que vieram do Reino Unido e não cumpriram, ao desembarcar no Brasil, o período de quarentena exigido a passageiros que vêm daquele país. Três deles – Emiliano Martínez, Lo Celso e Romero – estavam em campo. Outro, Emiliano Buendia, assistia a tudo da arquibancada. Segundo a Anvisa, o quarteto omitiu, na declaração de saúde, a passagem pelo país europeu, e a infração foi identificada ainda no aeroporto.
Com a partida paralisada, os minutos seguintes foram de muita reclamação das duas equipes. No lado visitante, Lionel Messi questionava por que a medida não havia sido tomada antes de a bola rolar. Mais tarde, o time de Lionel Scaloni dirigiu-se ao vestiário enquanto os brasileiros seguiam no gramado, à espera. Já passava das 17h quando a Conmebol confirmou a suspensão do clássico.
Em entrevista à Rádio Gaúcha, o presidente da Anvisa afirmou que a Agência alertou que os quatro atletas com passagem pelo Reino Unido teriam de cumprir período de quarentena ou retornar ao país de origem no momento em que eles desembarcaram em São Paulo.
— (A orientação da Anvisa) foi descumprida. Nós temos nosso trabalho pautado na boa comunicação entre pessoas de bem, o respeito, e evidentemente isso não aconteceu. A ação, que era para ser mais preventiva, acabou tendo de ser curativa. A nossa comunicação é clara, eles entenderam e decidiram não cumprir — disse Antônio Barra Torres.
As questões em aberto
Por que não foi evitado o começo do jogo?
Antônio Barra Torres admitiu que, até o momento em que falou com a Rádio Gaúcha, ainda não tinha a informação de porquê a Anvisa só agiu após o início da partida. Ele afirmou também que tanto Anvisa quanto Polícia Federal chegaram ao estádio antes de a bola rolar.
— Ainda não conversei com o nosso servidor, estou priorizando atender as demandas de imprensa — disse.
Ação poderia ter sido feita no aeroporto?
O presidente da Anvisa afirmou que o órgão tomou as medidas cabíveis já no desembarque, orientando o período de quarentena e o retorno ao país de origem. Também disse, no entanto, que não cabe à Agência controlar se todos os cidadãos que chegam no Brasil estão cumprindo as orientações.
— Temos nosso trabalho pautado na confiança, na boa comunicação, no respeito. E evidentemente isso não aconteceu. A ação que era para ser mais preventiva, acabou tendo de ser curativa.
Anvisa poderia ter informado às Confederações de que os atletas não poderiam jogar?
Para o presidente da Anvisa, não cabe à Agência ser uma tutora para alertar às Confederações o que devem ou não fazer. De acordo com ele, o regramento, que é público e foi estabelecido há meses, é preventivo.
— Ele dá a seguinte mensagem: não viaje, não é hora para viajar, a não ser que tenha real necessidade. E a sua necessidade seja contemplada pelo regramento sanitário do país onde você vai — falou.
Houve ruído de comunicação?
Barra Torres reforçou que as orientações passadas pela Anvisa foram claras, e jogadores e Associação Argentina de Futebol optaram por não cumpri-las. Segundo o presidente, o motivo pelo qual os atletas deixaram o hotel e foram para o estádio deve ser questionado às entidades esportivas envolvidas na realização do jogo, não à Anvisa.
— Quando constatamos o descumprimento, buscamos agir — garantiu.
Acordo entre Conmebol, Confederações e governos da América do Sul
O médico disse desconhecer qualquer combinado em vigência no continente para garantir a realização de campeonatos como a Libertadores, a Sul-Americana e as Eliminatórias. Segundo ele, a Anvisa "não é signatária de nenhum documento desta natureza".
Jogadores brasileiros que não foram liberados pela Premier League poderiam jogar?
Nove atletas chamados pelo técnico Tite atuam na Inglaterra e ficaram de fora da lista para os três compromissos da Seleção porque não foram liberados pela liga inglesa. Barra Torres explicou que não é possível proibir cidadãos natos de voltarem ao país.
O que disse a Confederação Brasileira de Futebol
A CBF publicou nota em seu site oficial lamentando o ocorrido. A entidade disse ainda que "defende a implementação dos mais rigorosos protocolos sanitários e os cumpre na sua integralidade." O texto também defende que a Anvisa "poderia ter exercido sua atividade de forma muito mais adequada nos vários momentos e dias anteriores ao jogo" e afirma que aguardará as decisões a serem tomadas pela Fifa e pela Conmebol.
O que disse a Associação Argentina de Futebol
Em nota, a AFA expressou seu "profundo desconforto" pela suspensão do jogo. O texto disse ainda que a delegação alviceleste estava no Brasil desde às 8h de sexta-feira, "cumprindo todos os protocolos sanitários regulados pela Conmebol". A Associação afirmou também que as informações serão encaminhadas à Fifa e que o futebol "não deve passar por esse tipo de episódios que prejudicam o espírito esportivo".
O que disse a Fifa
A entidade máxima do futebol publicou uma nota em seu Twitter lamentando a situação ocorrida na partida entre Brasil e Argentina, prometeu que "a decisão será tomada no devido tempo". A Comissão Disciplinar da Fifa já realizou a primeira reunião para analisar as informações recebidas.
Anvisa publicou nota
A Agência de Vigilância Sanitária também se manifestou por meio do seu site oficial. A publicação diz que o órgão "comunicou o fato às autoridades brasileiras em saúde, por meio do Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde". Segundo a Anvisa, em reunião no sábado junto da Conmebol, CBF e da delegação argentina, foi novamente recomendado a quarentena dos argentinos, "confirmação de que os jogadores prestaram informações falsas".
Como fica o jogo?
A Conmebol ainda não definiu se a partida será remarcada ou se apontará um vencedor. Até o momento, o jogo consta apenas como suspenso, sem nenhuma das equipes ter somado pontos.