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De fora da área

Celso Gutfreind: aprendendo a brincar

O psicanalista usa o exemplo de Neymar para falar de como estamos criando nossas outras crianças, não tão milionárias como o craque do PSG

É sobre o que vi do Neymar. Não as cifras milionárias que ouvimos sobre a sua transferência para o PSG. Nem as falcatruas tributárias que também ouvimos sobre a sua ida para o Barcelona. Ou a ética, presente ou não, que debatemos a propósito da forma desarrazoada e impetuosa com que costuma deixar um clube e ir a outro.

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É sobre o que vi do Neymar. Cercado de jornalistas, microfones, holofotes, deixou à mostra o Batman impresso na camiseta. Ouvimos que é uma forma eficaz de angariar mais fundos nas vendas das camisetas. Mas eu vi o Batman da infância profunda. O Super-herói disposto a enfrentar o Pinguim. Depois, Neymar foi para o campo brincar com a bola aos olhos da torcida e do mundo. A cena é clássica: ginga, toques, embaixadinhas, calcanhar para lá e para cá. Mas, por um momento, era só a bola. E o Neymar. Ou só a bola, o Neymar e o

Batman. Ou só a bola, o Neymar, o Batman e uma legião de amigos expectadores. Na mais simples e profunda brincadeira.

Um dos traços piores do nosso tempo é a exigência que se revela na busca de metas sempre insuficientes e cada vez mais precoces. Vivemos, de fato, tempos difíceis – nãso inéditos, talvez – de condições de trabalho e com um mercado árido e competitivo.

Nossas crianças, quando têm a sorte de crescerem com oportunidades, são empurradas para se prepararem cada vez mais cedo para o futuro. Apertamos suas agendas ferrenhas, repletas de falta de tempo para que não se atrasem. Mas o tempo é pontual e, logo, são adolescentes que precisam entrar na faculdade mais disputada. A intenção como sempre não é ruim, mas são amargos os efeitos colaterais quando o ócio sai de cena prematuramente e a criança não pode fazer o que mais precisa: brincar.

Japoneses e escandinavos já falharam em suas metas por causa disso. Na intenção de formar jovens brilhantes, formataram adultos tristes. Hoje reveem as expectativas e começam a acreditar que todo bom resultado tem uma história que nasceu brincando.

Neymar brincou. Ainda brinca. Ali parece ter aprendido a crescer e a chegar a si mesmo. Ali parece ter aprendido a driblar uma realidade adulta plena de falcatruas e imperfeições.

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