Quando chegou ao Paraná, Guilherme Biteco, 23 anos, avisou:
- Vocês não estão contratando um, mas dois Bitecos.
O meia surgido no Grêmio em 2012 havia tomado uma decisão para a vida. Passaria a jogar, sempre, para orgulhar o irmão Matheus, uma das vítimas do acidente com o voo da Chapecoense no final de novembro. Guilherme joga para o irmão e pelo irmão. É ele o seu espectador número 1. Mesmo que, depois do jogo, o celular não toque com o mano fazendo observações sobre sua atuação.
Era sagrado. Guilherme ainda estava no vestiário quando o telefone tocava. Os dois conversavam, e os apontamentos eram ouvidos sem contestações, embora Guilherme fosse o mais velho dos Bitecos - há ainda o caçula, Gabriel, 18, volante do sub-20 do Grêmio.
O meia sentiu falta dessa conversa no último dia 24. No Couto Pereira, brilhou como prometia na base do Grêmio. Fez dois gols no 3 a 2 sobre o Atlético-MG e teve atuação de luxo. Foi tanta adrenalina que ficou praticamente dois dias acordado. Varou a madrugada seguinte à partida e só pegou no sono às 5h. Às 8h, acordou. Na noite seguinte, deitou às 23h e, às 3h, despertou. E não dormiu mais.
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- Foi um jogo inesquecível, uma noite em que brilhei realmente. Tudo o que fiz deu certo, dei passe, foi a primeira vez que fiz dois gols em um jogo como profissional. Fazia tempo que o Paraná não chegava às oitavas da Copa do Brasil - conta Guilherme, ao telefone.
A vida em Curitiba ajuda o meia a amenizar a dor da perda. A cidade lembra muito Porto Alegre, pelo clima e pelas pessoas. Ele divide apartamento com a namorada, a porto-alegrense Renata, no bairro Água Verde, um dos mais concorridos de Curitiba.
Além disso, os torcedores do Paraná estão entusiasmados. Há carinho e afeto de sobra. Na volta de Belo Horizonte, mesmo com a eliminação, foram ao aeroporto receber a delegação e gritaram seu nome. Guilherme nunca havia sentido isso na carreira. Também nunca tinha jogado tanto. Está prestes a igualar seu recorde de jogos em um ano - 20 pelo Grêmio, em 2013. Falta só um. Também nunca havia feito tanto gol. Com os três de 2017, são sete na carreira.
Tudo isso faz o meia sorrir. Menos, é verdade, do que antes do acidente. Não só pela dor. Mas também porque a rasteira do destino o fez amadurecer. Foi quase automático. Matheus sempre foi mais sério e mais centrado. Guilherme absorveu esse comportamento do mano. Também admite que a perda o fez se dar conta de que precisava se concentrar, virar o jogador que todos previam.
- Caiu a ficha. Na verdade, caiu um pouco de tudo. Ela já havia caído, mas muito mais depois do acidente. Percebi que tinha de ser sério para trabalhar.
Há, no entanto, uma outra motivação que faz Guilherme querer estar sempre em campo. No velório, quatro ou cinco amigos de Matheus o procuraram. Contaram para ele o que o volante sempre repetia em conversas: "A hora em que Guilherme começar a jogar, ninguém o para mais". Matheus também mencionava aos amigos que só havia virado jogador por se inspirar no mais velho.
Mesmo que fossem próximos, Matheus nunca tinha manifestado isso para o irmão. A admiração era recíproca. Só que o destino não lhes deu tempo de contar. Não pessoalmente. Porque, a cada vez que entra em campo, Guilherme tentar mostrar o quanto idolatra Matheus. Por isso, ele avisou ao chegar ao Paraná: não joga por um Biteco, mas por dois.