Adoro a Espanha, especialmente Barcelona, onde acompanhei a Seleção na Copa de 1982, na célebre decepção do Sarriá, que já não existe mais. Na ocasião, o saudoso fotógrafo José Abraham me ensinou um dito popular sobre sua cidade natal, metade em espanhol, metade em catalão: "Barcelona es bona si la bossa sona, però tant si sona com si no sona, Barcelona sempre es bona".
Tão boa é que as touradas foram banidas da Catalunha em 2011, quando se realizou o último espetáculo na Monumental de Barcelona, e os toureiros saíram nos ombros dos aficionados. Os heróis daquela tarde histórica protagonizaram belas faenas (dribles com a capa, passando muito próximo do animal enfurecido) sob olés do público, antes de executarem seus touros com estocadas certeiras. Depois disso, as touradas foram proibidas.
A proibição já não existe atualmente, foi anulada no ano passado pelo Tribunal Constitucional, mas os catalães decidiram rejeitar de vez o espetáculo de crueldade baseado no sofrimento e na morte de um ser vivo indefeso. Agora, divertem-se nas tardes de sábado (às vezes a las cinco em punto, como no poema de Lorca) aplaudindo e gritando os nomes dos novos matadores importados da América do Sul: Messi, Suárez e Neymar – toureiros da bola, especialistas em aplicar verônicas e molinetes nos zagueiros enfurecidos e em executar, com golpes certeiros, goleiros tão desamparados quanto os miúras maltratados por picadores e banderileiros.
Messi é um novo Manolete, o cordobês de estilo sóbrio e sério que chegou a ser considerado o maior toureiro de todos os tempos. O argentino também não brinca em serviço. Como Manolete, que ficava quase imóvel a centímetros do chifre mortal (que um dia acabou com sua vida), o número 10 inventa espaços no campo, passa pelas frestas das chuteiras adversárias e encontra sempre el hoyo de las agujas dos goleiros com seus arremates fulminantes. Nas touradas, a expressão define o local exato onde o toureiro deve enfiar a espada para provocar a morte rápida do touro.
Suárez nem sempre é toureiro, às vezes é touro – ou outra fera capaz até de morder. Destemido, agressivo e fulminante, o uruguaio não é de muitas firulas. Prefere dominar pela força e raramente espera o cansaço do adversário para abatê-lo. Seu prazer não é arrancar olés do público – é a estocada final, o sangue na areia, o dever de matador cumprido com eficiência e louvor.
Neymar faz mágicas com uma imaginária "muleta", que é como os espanhóis chamam o pano vermelho que os toureiros usam para provocar e iludir os touros. O brasileiro oferece a bola para os zagueiros e a faz desaparecer quando eles dão o bote. Inventa dribles, volteios, muda de direção, imprime velocidade e para de repente. Provoca tanto que os marcadores viram feras enfurecidas. Diverte-se em brincar com o perigo – e o público se diverte com ele. Seu lema poderia ser: Hay que matar, pero sin perder la alegria jamás.
Os matadores do Barcelona encantam a Espanha e o mundo com sua arte sem sangue. Todos lhes somos gratos, inclusive e principalmente os touros.