Comecei a frequentar o Beira-Rio ainda nos anos 1970. Não receio me considerar um torcedor antiquado. Lembro de ver, estupefato, senhores sérios e respeitáveis perderem as estribeiras na arquibancada. Os frequentadores da "Coreia", eu via como seres perigosos, isolados num fosso abaixo do nível do campo.
Aqueles tempos foram sucedidos por uma visão "moderna" com a qual não compactuo. Trata-se de um olhar lógico, pretensamente oposto à barbárie e à falta de civilidade do politicamente incorreto anterior.
Praticada por comentaristas isentos da irracionalidade do antigo torcedor, legitimados, inclusive, por nunca terem sido "peladeiros", a onda asséptica que tomou o futebol vê no esporte uma ciência exata, devidamente apartada da visão emocional e instintiva na qual a lógica dá lugar à animalidade grosseira.
Deixando de lado outras facetas, como o viés econômico ou mesmo a função social atribuídas ao futebol, impossível negar que a propalada racionalidade inundou os debates populares, cujo palco principal migrou das mesas de bar às mídias tecnológicas.
Nesse meio liberal, assiste-se à versão futebolística da luta entre o bem e o mal. De um lado, um nicho que comporta criminosos de todo tipo. Do outro, insípidos intelectuais conhecedores profundos de táticas de jogo e administração, dotados de fórmulas e receitas, cuja teimosia dos técnicos, a indolência dos jogadores e a má-fé dos dirigentes sempre impedem de vingar.
É desse lado que os palpites deram lugar a teses incompreendidas. As didáticas transmissões dos jogos têm até quatro comentaristas ilustrando e esclarecendo tudo, como se não fôssemos capazes de fazê-lo. Falar palavrão e discutir com o torcedor adversário tornou-se mal visto, incivilizado.
Não são bons tempos para torcedores emotivos, viscerais, pouco refinados, como eu ou o senhor de terno que outrora desabafava seu mal estar no estádio. Eu mesmo cheguei a discutir com um amigo gremista (hoje delegado de polícia), não lembro bem por quê, em pleno caminho Inca, rumo à Macchu Picchu, para assombro dos gringos que nos acompanhavam naquela jornada "espiritual".
Não creio que o futebol tenha piorado. Acho que mudou de foco, aumentou, espraiou-se por outras searas. Talvez por isso seja imensurável e continue representando tão bem a natureza humana.