Se técnico dependesse de programa de milhagem para amadurecer, Luiz Carlos Winck estaria mais do que pronto. Poucos no atual Gauchão palmilharam tanto o Brasil atrás de experiência como ele, que comandou no interior do Amazonas, rodou pelo Piauí, fez parada no Maranhão e ainda circulou pelo Mato Grosso e pelo Paraná antes de regressar ao Rio Grande do Sul em 2012. Mas a formação de um técnico vai além do tempo de estrada. Requer calos que só o tempo cria. Winck entendeu seu prazo de maturação. Aos 54 anos, parece tê-lo atingido no comando do seu Caxias de largada firme neste Gauchão.
– Me sinto seguro hoje, pronto para qualquer desafio – me disse Winck, por telefone, no começo da nossa conversa.
O projeto da hora é o Caxias. Mas percebo ao falar com Winck que a passagem pela Serra talvez seja o estágio final antes de acelerar para desafios maiores. Coloco essa impressão para ele. Que tergiversa:
– A passagem tem sido muito boa, agora penso só no Caxias, que me dá essa condição de me sentir seguro.
Winck ajeitou seu time. Encarou a Dupla sem medo. Venceu o Grêmio em casa e empatou com o Inter no Beira-Rio. Percebe neste Gauchão porta aberta para que, depois de 17 anos, o Interior seja campeão. Pergunto se seu Caxias seria candidato. Ele não contesta, mas cita o Novo Hamburgo, de Beto Campos, e o Brasil, de Rogério Zimmermann.
– O Grêmio vai focar na Libertadores ali na frente, e o Inter está em formação. Percebo que esse pode ser o momento de o Interior chegar – diz.
Insisto com Winck para que me fale mais de sua formação como técnico. Me intriga o porquê do seu périplo pelo Brasil. Deveria ser menos pedregoso o caminho de quem foi lateral-direito medalha de prata em Seul/88, quarto jogador com mais partidas na história do Inter (457 jogos) e teve passagens por Vasco, Flamengo, Botafogo, Grêmio e Atlético-MG.
O fato é que Winck desvinculou a trajetória de sucesso no campo da carreira fora dele. Subiu o Brasil atrás de oportunidades. Começou no Mogi Mirim, em 2003, e parou no Grêmio Coariense, no meio do Amazonas, levado por um paranaense que havia assumido o clube. A vida às margens do Solimões mostrou-lhe a realidade dura do futebol.
– Fui treinador, supervisor e dirigente ao mesmo tempo. Havia surto de dengue na região, e eu que tinha de levar os jogadores ao hospital. Cuidava de tudo, até da alimentação – conta Winck.
Nada foi mais marcante do que as viagens de barco.
O aeroporto de Coari só recebia aviões pequenos. A saída era usar o rio, em viagens de 16, 18 horas. Os jogadores levavam redes para dormir. Se jogava domingo, saía na quarta-feira. Foi preciso se adaptar como se estivesse em outro país. A alimentação era à base de peixe e farinha. Havia o risco iminente de dengue. Sem contar os enjoos nas viagens de barco. Certa vez, contraiu virose que o deixou uma semana de cama. Pensou em voltar, mas agiu com estoicismo:
– Me disse, baixinho: "Vim até aqui. Se voltar, serei covarde". Fiquei e me adaptei.
Winck ficou, ganhou o Campeonato Amazonense e criou raízes. Em 2005, voltou para assumir o São Raimundo – encarou o Grêmio na Série B em 2005 e ainda passou por Rio Negro e Nacional.
Responsável pelo rancho e dois presidentes inimigos
O sucesso no Norte abriu-lhe portas no Nordeste. No Sampaio Corrêa, comandava o time e a cozinha. Um dirigente era dono de um depósito de alimentos e bancava as refeições do grupo. Só que não confiava no gerente de futebol. Só Winck tinha ordem para abastecer a despensa da casa em que viviam os atletas. Ao final do treino, saía para fazer o rancho e entregava à cozinheira contratada pelo clube.
O técnico ainda rodou por Bacabal, no interior maranhense, e River, do Piauí. Havia fechado com o Juazeiro, da Bahia. Mas havia dois presidentes no clube. Que não se davam. Concluiu que sua fase de cigano havia acabado. Voltou para assumir o Esportivo, na Segundona. Sentia-se pronto para repetir em casa o sucesso do Norte. Um sentimento parecido ao atual, em que acredita ter chegado a hora de voar mais alto. Para mais longe, ele já foi.
*ZH Esportes