O camisa 10 clássico, quase um artigo em extinção no futebol brasileiro, será o ponto de partida para a dupla Gre-Nal em 2017.
Ao eleger Douglas como a prioridade na renovação de contrato, o Grêmio aposta no passe privilegiado, qual uma tacada certeira de sinuca, que marcador algum consegue prever.
Ao trazer de volta D'Alessandro, o Inter investe no drible inesperado e no arranque vertical rumo à área adversária, com a bola presa ao pé esquerdo.
É possível contar nos dedos de uma única mão as equipes brasileiras que contam com jogadores dessa característica.
Da mesma forma que Grêmio e Inter, o Flamengo, de Diego, e o Santos, de Lucas Lima, também apostam na fórmula do jogador da solução mágica, que encanta torcedores. Ganso, que era da mesma escola, hoje atua na Espanha.
Se quisesse pensar em reservas, poderia lembrar de Ademir da Guia e Dirceu Lopes, mas não os convocou.
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Mineiro de Pedro Leopoldo, Dirceu Lopes, 70 anos, é daquele período em que o camisa 10 nascia em árvore. Uma fase em que cada grande clube contava com o seu.
No célebre Cruzeiro das década de 1960, em que atuava ao lado de Tostão, Dirceu Lopes foi campeão da Taça Brasil de 1966, elegeu-se por anos consecutivos o melhor meia brasileiro e, com João Saldanha, tinha lugar cativo nas convocações para a Seleção. Até a chegada de Zagalo.
Ele condena o que considera uma renúncia do futebol brasileiro às suas origens. Ao abrir mão da individualidade e copiar o modelo europeu, o Brasil caminhou "para um desastre como aquele contra a Alemanha", opina Dirceu Lopes. Por isso, ele saúda a chegada de Tite à Seleção Brasileira e sua aposta na criatividade dos jogadores.
Ao falar sobre Douglas, os elogios do ex-craque cruzeirense são fartos.
- Ele ganhou os jogos contra o Cruzeiro e o Atlético-MG aqui em Belo Horizonte. Sempre vi nele um craque diferenciado. Concordo com Renato, que o aponta como o jogador mais importante do Grêmio. O técnico fez bem ao proibi-lo de marcar - entende.
Dirceu Lopes não gosta muito do que chama de "enxurrada" de gringos no futebol brasileiro. Mas abre uma honrosa exceção para D'Alessandro.
- A sua grande diferença é a improvisação, a malícia, o talento. A inteligência é acima da média - rende-se.
Zinho atende ao telefonema de Zero Hora pouco depois de desembarcar da Austrália, onde havia visitado um familiar. Tetracampeão em 1994 e recordista de títulos brasileiros, junto com o também flamenguista Andrade, ele discorre com a fluência de um comentarista sobre a função do camisa 10 criativo. E descobre uma explicação para que o artigo tenha se tornado raro:
- Hoje, os garotos logo pensam em ser atacantes. E os treinadores colocam os meias pelos lados do campo e dão aos volantes a função de sair para o jogo.
Por isso, Zinho valoriza a importância de Douglas para o Grêmio.
- Ele é aquele canhoto habilidoso. Não é de velocidade, mas é de movimentação. É o falso lento. Tem visão de jogo - diz, convicto de que o ritmo de jogo do Grêmio ainda será ditado pelo meia em 2017.
As diferenças entre Douglas e D'Alessandro são flagrantes, aponta Zinho, que atuou como auxiliar técnico de Jorginho, no Vasco.
- O argentino se movimenta pelos lados, tem aquele drible que é bem dele, aquela puxada que todos sabem que ele dará, mas ninguém pega. Enquanto Douglas parece mais devagar, ele é mais elétrico - aponta.
É com encanto que o uruguaio Rubén Paz, 57 anos, um dos raros jogadores que tornaram os anos 1980 menos sombrios para os torcedores do Inter, fala sobre D'Alessandro e Douglas.
Os adjetivos são generosos em relação ao argentino, que o considera um ídolo e com quem reencontrou-se durante a semana, no Lance de Craque, evento beneficente realizado no Beira-Rio.
- D'Ale joga com magia. E hoje está mais experiente, o que aumenta sua visão de jogo. Está sempre dois segundos mais adiantado do que o rival - observa Paz.
Para Douglas, a sua reverência não é menor.
- Douglas tem velocidade mental. Sabe que quem tem de correr é a bola. Vi o último jogo, em que o Grêmio foi campeão. Faz tudo com simplicidade, facilita o jogo para que os colegas cheguem mano e mano com o zagueiro ou o goleiro - elogia.
O melhor jogador do Mundialito de 1980, competição organizada pelo Uruguai para comemorar os 50 anos do título mundial de 1930, aposta que tanto D'Alessandro quanto Douglas serão decisivos nas campanhas de Inter e Grêmio na próxima temporada.
E reafirma sua convicção na criatividade como diferencial em uma partida de futebol.
- Tanto para a Série B quanto para a Libertadores a preparação precisará ser muito forte. Todos brincam dizendo que o camisa 10 não corre, que procura a sombra quando faz calor. Mas ele é quem faz a diferença e sempre acha a solução para as dificuldades preparadas pelos adversários - encerra Rubén Paz.