Sabem quando foi a última vez que a Alemanha perdeu uma disputa de pênaltis? Em 20 de junho de 1976. Sabem como foi o gol decisivo daquele jogo, a final da Eurocopa? Procurem por Antonin Panenka.
Não deveria, mas passou quase despercebida esta data histórica para o futebol. Há 40 anos, Panenka inventou uma nova maneira de cobrar pênaltis. Naquela final, na última cobrança da Tchecoslováquia (que era um país só) diante da Alemanha Ocidental (porque havia uma Oriental), em Belgrado (à época capital da Iugoslávia), o meia cobrou de cavadinha. O lendário Sepp Maier pulou para a direita e a bola entrou no meio, fazendo a curva de uma colherinha – por isso chamada de cucchiaino pelos italianos. E até hoje, a quarentona cavadinha suscita ferrenhos debates.
Todos, para mim, inúteis.
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A cavadinha é o último resquício de improviso no pênalti, depois que proibiram a paradinha. Só com cavadinha é possível fazer um golaço ou pagar um vale tremendo. Só a cavadinha garante o deboche: do goleiro ou do cobrador.
A cavadinha marca uma partida. Totti na Euro 2000, Clemer no Gauchão 2008, Zidane na Copa de 2006. Claro que nem sempre dá certo, e vários craques já perderam: Pirlo, Neymar até o próprio Totti. Nem por isso suas carreiras acabaram. Pelo contrário, deixaram uma pulga atrás da orelha dos goleiros.
Eles sabem: cavadinha é ousadia & alegria, pancada é balão & retranca. Cavadinha é festa até o amanhecer, pancada é sair para jantar. Pancada é vinhozinho, cavadinha é cerveja litrão. Cavadinha é churrasco, pancada é peixe grelhado. Cavadinha é Valderrama & Higuita, pancada é Higuaín & Gudjohnsen. Cavadinha é Libertadores, pancada é Champions League. Cavadinha é mata-mata, pancada é pontos corridos. Cavadinha é lateral para a área, pancada é escanteio curto.
Cavadinha é Mamonas Assassinas, pancada é Los Hermanos. Cavadinha é Colômbia, pancada é Suíça. Cavadinha é "Curtindo a vida adoidado", pancada é "Dogville". Cavadinha é "How i met your mother", pancada é "Game of thrones". Cavadinha é García Márquez, pancada é Dyonellio Machado. Cavadinha é bungee jump, pancada é óculos 3-D. Pancada é verdade, cavadinha é consequência.
O mundo mudou desde Panenka. Trocamos de século e os três países envolvidos na história inaugural da cavadinha não existem mais. O que permanece é a poesia da cobrança.
E, bem, em pênaltis, só ganhou da Alemanha quem bateu de cavadinha.
*Diário Gaúcho