O cronômetro da Liga Mundial de Surfe (WSL) marcava pouco menos de quatro minutos transcorridos de bateria naquele 19 de julho de 2015. Mick Fanning não havia tido tempo de somar um ponto sequer e via o compatriota Julian Wilson à frente.
Para espanto dos locutores da transmissão ao vivo, uma barbatana enorme surgiu na imagem, e Fanning desapareceu por alguns desesperadores segundos embaixo d'água – o surfista saiu ileso, mas o evento, obviamente, acabou cancelado por ali.
Lembro que, à época, me perguntei: por que a entidade não transfere a etapa para outro lugar que não seja tão famoso pela presença de tubarões brancos? E mais: se fosse Fanning, jamais voltaria a surfar em Jeffreys Bay.
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Mas estamos falando de um tricampeão mundial. Um australiano conhecido pelo profissionalismo, foco, humildade e resiliência. Daqueles que, constantemente, aparecem na lista de personalidades inspiradoras para quem está no começo da carreira no esporte. Mick Fanning anunciou uma espécie de ano sabático em 2016 – não compete em todas as etapas.
Fez questão de surfar os dois primeiros eventos na Austrália, sua casa, Fiji e – para espanto de muitos –, em J-Bay. Quem voltaria para o local onde teve um dos maiores traumas de sua trajetória? Fanning, ora. Voltou com garra e, de tanta vontade, levou o título da etapa diante do talentoso havaiano John John Florence e pulou 11 posições na tabela: agora, ocupa a quinta colocação.
Se parasse por aí, a história já renderia um belo capítulo na biografia do australiano de 35 anos. Só que tem mais. E é justamente pelos tantos outros episódios da vida de Fanning que os amantes do surfe não cansam de admirá-lo. Mick chegou com uma semana de antecedência para treinar na África do Sul. Havia comentado com a equipe de sua patrocinadora que não surfaria ao amanhecer e quando escurecesse, por precaução. Mentiu para todos. Sofreu, ainda, uma lesão no tornozelo que ameaçou tirá-lo do esperado retorno. Pois nem a dor o parou.
O ano de descanso de Fanning é merecido. Em 2015, lidou também com a morte do irmão mais velho em meio ao Pipeline Masters, última etapa do ano, e competiu mesmo assim, pois tinha chance de título. Precisou exorcizar o fantasma do tubarão e, para completar, anunciou o término de seu casamento. Diante de tudo isso, não há como não entendê-lo. Mas confesso: no fundo, torço para que o salto na tabela possa fazê-lo mudar de ideia. O campeonato não é o mesmo sem Mick Fanning nas cabeças do ranking.
*ZHESPORTES