Foram 42 quilômetros de uma solidão compartilhada com mais duas mil pessoas. Todas estavam ali querendo muito mais do que o primeiro lugar no pódio ou o prêmio de R$ 5 mil. Buscavam superar os seus limites, as suas dores e o forte frio pelas ruas e avenidas até cruzar a linha de chegada da 33ª Maratona Internacional de Porto Alegre. Um dos que desejavam superar tudo aquilo que já conquistou foi Márcio Grace Pereira da Silva, 41 anos, natural de Pará de Minas, cidade mineira distante 80 quilômetros da capital, Belo Horizonte, e morador de Brasília.
Embora a história de superação dele possa ser parecida com tantas outras que passaram pelo pórtico de chegada montado na Avenida Augusto de Carvalho, ela se destacou por dois aspectos no meio do batalhão de corredores. Primeiro, pela meta estipulada pelo atleta amador que utiliza os intervalos entre as atividades extracurriculares do filho de 11 anos para treinar. Márcio queria ser mais rápido do que já foi no Rio de Janeiro, o que, na prática, significava ser muito mais veloz do que fora. Na capital fluminense, ele correra 42 quilômetros em 3h9min. Aqui, o objetivo era fazer o que no jargão dos corredores é chamado de "sub-três", ou seja, superar a infinidade de asfalto em menos de três horas.
– É o meu sonho – dizia.
Depois da meta, veio a segunda parte da história: encontrar alguém para treiná-lo para atingir este objetivo. Aí é que surge outro fato curioso. O técnico do judiciário contratou uma treinadora daqui para assessorá-lo. Então, desde fevereiro, Márcio passou a integrar a equipe da R.A. Runners, liderada pela profissional de Educação Física Rita Abero.
Recebendo as planilhas por e-mail e compartilhando os tempos e resultados de provas por WhatsApp com a treinadora e com o restante do grupo, o atleta amador treinou solitário em Brasília focado em obter seu melhor tempo na capital gaúcha.
– Vez ou outra eu percebi a dificuldade. Quando precisava fazer treinos pesados na pista, começava a imaginar o Saraiva, o Fred, o Eleandro. Isso ajudava a me manter concentrado – relembra ao falar das estratégias usadas para driblar a ausência física dos colegas que só conhecia pelo aplicativo de celular.
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Foi só na última quinta-feira que Rita, Saraiva, Fred e Eleandro ganharam cara e corpo para Márcio. Ele desembarcou pouco depois das 15h no aeroporto Salgado Filho, onde pôde conhecer pessoalmente aquela que se debruçava sobre planilhas complexas para ajudá-lo a conquistar o tempo sonhado. Nem o frio intenso assustou o mineiro. Sorridente e confiante, ele se dizia pronto e muito bem preparado para encarar uma das maratonas mais geladas dos últimos anos na Capital. Naquela mesma noite, com os termômetros marcando menos de 15°C pouco antes das 19h, ainda rodou um pouco pela pista da Redenção e deu uma volta até o Parcão para se aclimatar com a baixa temperatura.
Comemoração teve direito a chimarrão
Vestindo uma blusa de manga longa emprestada por Rita, a regata da equipe por cima e uma bermuda, Márcio superou os 42 quilômetros da prova com êxito. Quando a sirene tocou, às 7h, indicando que estava dada a largada, Porto Alegre registrava 4ºC, com sensação térmica de 1ºC. O frio intenso fez com que o atleta amador só conseguisse aquecer o corpo de verdade depois do km 15. Segundo ele, a musculatura estava "presa" e as mãos duras de frio. Depois de vencer Zona Sul e Região Central, ele finalmente cruzou a linha de chegada. De mãos dadas com mais colegas da equipe, ele passou pelo pórtico final quando o cronômetro oficial marcava 3h00min39s.
Márcio poderia ter deixado escapar por muito pouco o sonho de ficar abaixo da marca das 3h. Mas não deixou. O marcador do seu relógio de corrida congelou nas 2h59min58s.
– Ele conseguiu! Ele conseguiu! Ele foi meu maior desafio! – dizia Rita aos pulos.
Sem conseguir descrever com nenhuma palavra a sensação de ter alcançado a meta ousada, Márcio encerrou a prova se dizendo muito satisfeito e sorvendo um chimarrão para "aquecer".