Matador nos tempos de centroavante de clubes gaúchos, Sandro Sotilli agora é matador nas redes sociais. Seu perfil no Twitter, que nasceu fake, tem 260 mil seguidores, e a página no Facebook, 460 mil curtidas. A sobrevida digital deu-lhe mais fama do que quando era jogador.
Para atestar sua popularidade, ZH acompanhou um dia de Sotilli Fest em Santa Rosa, com passeio pela Fenasoja, futebol e churrasco com os amigos, visita a loja de pets e a escola de surdos, um animado bailão e muitas selfies com este símbolo do Interior.
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O frio castiga Santa Rosa, no noroeste do Estado, na madrugada de sábado, 30 de abril. Dentro da Casa Pub, uma pequena boate da cidade, a música eletrônica anima mais de 200 jovens. Até que, ao microfone, o locutor anuncia a estrela do evento:
– E ele chegou, cheio de bergamotas nos bolsos.
Imediatamente, o DJ solta o hit Preciso te Falar, da banda San Marino, famosa em bailões. Vestindo tênis branco da marca Lacoste, calça jeans, camisa vermelha Dudalina e jaqueta branca, o ex-jogador Sandro Sotilli, 42 anos, aparece no camarote e acena para o público, que cai na dança.
Começa a Sotilli Fest.
Depois de jogar em 26 times (16 deles no Rio Grande do Sul) durante 21 anos de carreira, o ex-atacante nascido em Rondinha, no norte do Estado, virou celebridade no Interior, inclusive batizando festas embaladas com músicas de bandinhas. Também tem seu passe disputado para ser a estrela de amistosos, aqui e até em cidades de Mato Grosso colonizadas por gaúchos.
Claro que os gols ajudaram a construir a fama. Foram 111 apenas no Gauchão, por equipes como Ypiranga, Juventude, Glória, São José, Passo Fundo e Pelotas. É o maior artilheiro na história da primeira divisão do Estado. Mas o salto de popularidade foi impulsionado pelas redes sociais. A página no Facebook tem 460 mil curtidas, e sua conta no Twitter, 260 mil seguidores.
– Sou mais famoso agora do que quando jogava – admite Sotilli.
Para isso, um torcedor deu um empurrãozinho. Por trás da vida virtual do ex-goleador está Bruno Pires Schroder, 20 anos, estudante de Medicina Veterinária. Em 2013, ele colocou no ar um perfil falso, no Twitter, do então centroavante. A ideia era apenas brincar com futebol e regionalismo.
– Peguei o Sotilli porque ele é um cara do Interior, enfrentou essas situações de buraco no campo, torcedores jogando cerveja. Quando faço os posts, entro nesse personagem, o Sandro Sotigol – explica Bruno.
Em 2014, surgiu a página no Facebook.
No mesmo ano, Sotilli resolveu pendurar as chuteiras. Já sabendo da existência de seu fake, convidou Bruno para sua partida de despedida. Do encontro, surgiu uma parceria que rende dividendos para ambos.
– Eu entro com a beleza, e ele com a inteligência – diverte-se o ex-jogador.
Os dois conversam todos os dias, para acompanhar o andamento dos negócios e abastecer as redes sociais com fotos e vídeos.
As piadas regionais, marca registrada dos perfis, Bruno tem liberdade para criar e postar. Devido ao sucesso virtual, a dupla consegue lucrar. Somente com patrocínios, cada um ganha, por mês, cerca de R$ 4 mil. Tamanho prestígio é aferido nas ruas. No dia 29 de abril, Zero Hora acompanhou todos os passos de Sandro Sotilli em Santa Rosa. O que se viu foi uma rotina parecida com a de participantes do Big Brother Brasil.
O artilheiro aposentado mora há três anos em Passo Fundo com a mulher, Daniela, dona de um brechó infantil, e com as filhas Yasmin e Isadora, cinco e três anos, respectivamente. Também é pai de Maria Eduarda, 11 anos, fruto do primeiro casamento. Na cidade, é proprietário de um ginásio com quadra de grama sintética, sede da escolinha de futebol Sotigool.
A Sotilli Fest já teve quatro edições neste ano. Outras quatro estão agendadas: Selbach, Ijuí, Cerro Largo e Carazinho. Em dias de evento, Sotilli deixa a mulher e as filhas em casa e parte para o corpo a corpo com o público. O roteiro em Santa Rosa começou com um périplo nas lojas dos patrocinadores, as empresas que bancam o cachê de aproximadamente R$ 3 mil que o ex-jogador recebe por dar nome e participar do evento. Em cada estabelecimento, o ex-centroavante coloca a camiseta da firma e posa para fotos com funcionários. Sempre descontraído, adota um tom político.
– Eaí, o que está achando da cidade? – perguntou um fã.
– Santa e bela rosa – devolveu o goleador.
No meio da tarde, houve pausa para uma agenda solidária. Sotilli visitou a Escola de Ensino Médio Concórdia para Surdos. Conversou com os alunos e os professores, posou para fotos e se comprometeu a voltar para uma partida beneficente. Em um passeio pelos pavilhões da Fenasoja, realizada no Parque de Exposições de Santa Rosa, a popularidade do ex-jogador ficou mais gritante. As paradas para fotos e bate-papos eram constantes. Logo após fazer uma selfie com o Alemão Matador, apelido dos tempos de gramado, o servidor público José Germano Haan, 37 anos, comentou:
– O homem é uma lenda. O Sotilli lembra o Gauchão, é uma marca registrada. Além disso, tem um perfil (nas redes sociais) muito engraçado.
Graças ao poder das redes sociais, até mesmo quem nunca viu Sotilli jogar se declara fã. É o caso do estudante Douglas Valente, 21 anos:
– Conheço o Twitter dele, acompanho. É bem-humorado. Sobre a carreira dele, já ouvi falar. Sei que já foi artilheiro do Gauchão.
Ainda na Fenasoja, houve mais compromissos com patrocinadores. Como um bom garoto-propaganda, andou de bicicleta entre os estandes e fez foto até com filhotes de cães que estavam à venda. Parecia candidato em véspera de eleição. Por falar em política, o ex-jogador já se arriscou por essa área. Em 2014, tentou o cargo de deputado estadual pelo PSB. Os 7.689 votos foram insuficientes para garantir uma cadeira na Assembleia Legislativa. (Na mesma eleição, outro ex-centroavante famoso por estas plagas, Jardel, conquistou um mandato com 41.221 votos, pelo PSD.) A experiência, diz Sotilli, não fechou muito com seu perfil. Acha que não voltará a concorrer. Porém, não descarta.
Com a noite caindo em Santa Rosa, as atividades começaram a ficar mais ao gosto do artilheiro. Um futebolzinho com amigos do parceiro Bruno Schroder ajudou a espantar o frio. No gramado sintético de futebol sete, Sotilli, obviamente, jogou como atacante. No entanto, talvez para retribuir o carinho recebido na cidade, muitas vezes deixava de concluir e passava a bola para os companheiros de time. Mas é claro que não saiu da cancha sem balançar as redes. Um churrasco caprichado fechou a confraternização e deu energias para o bailão da madrugada.
O astro da noite hospedou-se em um hotel perto da casa noturna que sediaria a Sotilli Fest. Deu um trato no cabelo clareado com luzes, vestiu uma jaqueta branca, tomou uma cerveja "para aquecer" e partiu para a boate. Entrou pelos fundos, direto para um camarote. Logo estava no meio do público, tirando selfies e mais selfies.
Quando Yuri Rodrigues e Banda começaram a tocar, Sotilli empolgou-se. Quem o via animado na pista nem imaginava que ali estava um ex-seminarista. Isso mesmo: dos 14 aos 18 anos, ele estudou em um seminário de Viamão. Pensava em ser padre, mas jogava bola tão bem que foi convencido a fazer testes em um clube. Só quando estava prestes a completar 19 anos, tarde para quem sonha em ser profissional, tentou a sorte no Ypiranga, de Erechim. Foi aprovado.
– Faltou pouco para ser padre, mas sempre sonhava em ser jogador – recorda.
Na carreira, passou por México, China (onde chegou a receber US$ 3 mil por vitória) e duas vezes pelo Beira-Rio. Em uma delas, nem jogou. Esse episódio o emociona. Seduzido por uma proposta do futebol árabe, rescindiu com o Inter e atravessou o mundo. Ao chegar à Arábia Saudita, descobriu que era uma cilada.
– Não era o que tinham me prometido – limita-se a dizer.
A saída foi voltar e recomeçar nos rincões do Rio Grande. Em 2004, defendeu o Glória, de Vacaria, e foi goleador do Gauchão. Seguiu a rotina de atacante matador. Só em goleiros gremistas, ele se orgulha de ter balançado a rede de três gerações:
– Fiz gol no Mazaropi, no Danrlei e no Marcelo Grohe.
Sotilli guardou ou investiu boa parte do que recebeu no futebol. Controlado durante a carreira, tinha gasto mensal inferior se comparado a colegas de time. Atualmente, dirige um luxuoso Hyundai Azera e tem um apartamento em Passo Fundo, onde mora, outros dois em Porto Alegre, mais um em Rondinha e uma sala comercial em Veranópolis, além de alguns hectares de terra na cidade natal.
– Também nunca fui mulherengo. Gosto de estar com os meus amigos, tomar uma cerveja e comer uma carne – resume com a simplicidade característica.
A volta ao mundo do futebol, seja como técnico ou dirigente, está fora dos planos. Pelo menos, por enquanto. Sotilli curte o momento de celebridade, raro para ex-jogadores do Interior.
– Tenho de aproveitar, não sei quanto tempo vai durar – diz.
Nos últimos momentos da Sotilli Fest, subiu ao palco, empunhou o microfone e disparou:
– E aí, caquedo! Que beleza de festa. Não somos o Planeta Atlântida, mas vamos chegar lá. Viva o Rio Grande do Sul, viva Santa Rosa e viva os quero-queros.
No discurso, Sotilli imprimiu mais uma vez sua identificação com o Interior: caquedo é um termo irreverente usado para se referir a um grande grupo. Talvez algo como "gurizada", muito ouvido pelas bandas de Porto Alegre.
Para finalizar, uma menina sobe no palco, e o artilheiro a tira para dançar. O público vai à loucura, e um dos clientes da casa noturna, empolgado pela dosagem etílica, sentencia:
– O Sotilli é um fenômeno. Temos que fazer dele o presidente da República.
POSTS MEMORÁVEIS DA PÁGINA DE SANDRO SOTTILI
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Post sobre o inverno atingiu 3 milhões de pessoas:
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Ode às bergamotas