Os árbitros de futebol são cada vez mais colocados à prova. Sofrem a eterna pressão pelo acerto e convivem com reclamações, antijogo e teorias de conspirações. Por trás de tudo, porém, estão o estresse de viagens e o cansaço provocado pelo duplo emprego. Zero Hora viajou cerca de 5 mil quilômetros comprovando como árbitros de todas as divisões do Campeonato Gaúcho arriscam a vida na estrada. Só no Gauchão, que acabou domingo, os juízes fizeram 52 mil quilômetros, grande parte deles voltando para casa durante a madrugada porque no dia seguinte têm outro emprego.
No primeiro vídeo da série, Jean Pierre Lima e Francisco Neto falam sobre os desafios de enfrentar a estrada para apitar. Assista:
A escala de terça-feira afeta a rotina de árbitros e assistentes durante o Gauchão. Liberada às 15h ao site da Federação Gaúcha de Futebol (FGF), as equipes sabem na hora se apitam por perto na quarta-feira ou se vão rodar quilômetros de estrada. A escala de sexta, da rodada do fim de semana, afeta menos o trabalho e mais o convívio com a família.
Vida de árbitro: juízes do Gauchão enfrentaram cansaço, estresse e 52 mil km
Na terça de 10 de março, o árbitro e personal trainer Luís Teixeira Rocha foi nomeado para fazer jogo do União em Frederico Westphalen e teve de sair às pressas atrás de 10 de seus clientes para remarcar horários. O árbitro Chico Neto exercia sua função de coordenador de disciplina no Colégio Farroupilha, em Porto Alegre. Designado para apitar em Erechim Ypiranga x Grêmio, na hora teve de negociar folga no dia seguinte, o da viagem e do jogo.
Sabendo da escala, é o árbitro quem faz a logística da viagem e alguns montam grupos no WhatsApp a cada rodada.
Na quarta, Chico, como é conhecido, deixou o Colégio Farroupilha no final da manhã, passou em casa, almoçou e preparou a mala com uniformes, cartões, apitos, chuteira, toalha, santinha e o Salmo 36. Ainda deu tempo para o descanso antes de sair.
Com seu HB20 branco, Chico estava às 14h no posto de combustível na Avenida Farrapos e ali se encontrou com seus assistentes.
- É um risco, precisamos estar sempre atentos, não é permitido erro, mas não depende somente da gente - disse o professor de Educação Física Élio Nepomuceno, um dos assistentes. - A arbitragem é uma cachaça, depois que estamos dentro, não tem jeito de sair. Já perdi muita namorada por causa desta minha escolha.
Minutos depois chegava ao local o árbitro Jean Pierre, de Pelotas. Trazia o quarto árbitro David Baquini, que viajaria com Chico a Erechim. E pegou seus assistentes Lúcio Flor e André Bitencourt, que já o aguardavam para seguir até Veranópolis.
Eram 15h, e o encontro mais parecia confraternização de árbitros em meio ao entra e sai de carros do posto da Farrapos, até cada equipe tomar seu rumo.
- Bom jogo - despediram-se os dois árbitros.
Mais tarde, veriam, apenas um deles teria trabalho tranquilo à noite.
Chico dirigiu concentrado. Às 17h48min, uma parada para o lanche em Soledade, à beira da BR-386. Pediram torradas gigantes de pão colonial.
- Depois, só vamos voltar a comer na madruga - avisou.
Mais estrada pela frente. Durante o percurso, assuntos variados. Menos futebol. Muitos menos arbitragem. Foram 379 quilômetros até Erechim.
- Falamos de música, família, trabalho.
Se a viagem de Chico Neto foi sem problemas, à noite o árbitro de 43 anos sofreu um dos piores golpes da carreira que se iniciou em 1994.
O técnico do Grêmio, Luiz Felipe Scolari, o chamou de "Chico colorado". Felipão foi expulso, nem foi julgado mais tarde, mas o árbitro ficou destruído. Era a segunda vez que o tratavam com o apelido, que nascera dentro do Grêmio em 2006.
No retorno para Porto Alegre, a equipe de arbitragem jantou no Restaurante e Churrascaria Italian's, no quilômetro 242 da BR-386, em Soledade. Chico estava abatido na mesa coberta com toalha floreada. Eram 3h30min, e ele não tinha apetite diante das batatas douradas e bifes altos do ala minuta preparado na hora.
Os assistentes José Javel Silveira e Elio Nepomuceno Junior e o quarto árbitro David Baquini contavam histórias e riam, tentavam aliviar o ambiente. Chico reagiu com um sorriso amarelo e ainda comentou na mesa:
- Tenho de fazer algo, não posso deixar passar em branco - disse Chico, com o olhar fixo no chão.
No exato momento dos insultos, às 23h28min, Jean Pierre ouviu no rádio o que acontecia no Colosso da Lagoa. Descendo a serra de Veranópolis, a equipe jantou massa e frango em restaurante à beira da estrada, com uma indignação silenciosa entre eles.
A jornada que começara às 7h com Francisco de Paula dos Santos Silva Neto levando os filhos Henrique, 12 anos, e Pedro, 7, ao Colégio Farroupilha, acabara às 6h do outro dia em casa, no bairro Petrópolis, trazendo de Erechim uma grande decepção.
*ZHESPORTES