Missouri City, Texas - Em um centro esportivo, Cameron Burrell realizava uma série de exercícios de aquecimento enquanto uma equipe juvenil de basquete se preparava para correr morro acima.
- É verdade que ele é o menino mais rápido dos Estados Unidos? - perguntou um dos jogadores.
Depois de hesitar um pouquinho, um homem de óculos de sol e viseira respondeu: - É isso que dizem.
O homem estava relutante em chamar atenção para si. Quando o técnico da equipe perguntou seu nome, ele respondeu simplesmente: "Leroy".
Por fim, revelou-se que aquele era Leroy Burrell, pai de Cameron e o homem que já foi o mais rápido do mundo na competição de 4 x 100 metros dos Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992, além de treinador de longa data da equipe de corrida da Universidade de Houston.
No domingo seguinte, Cameron Burrell correria os 100 metros contra outros estudantes secundaristas de alto desempenho no Grande Prêmio de Nova York, em Randalls Island, onde seu pai estabeleceu o recorde mundial de 9,90 segundos, em 1991 (baixando essa marca para 9,85 em Lausanne, na Suíça, em 1994). A partir do outono do Hemisfério Norte, Cameron irá competir pela equipe de Houston, dando início a uma dinâmica intrigante e complexa entre treinador e atleta, pai e filho.
- Se isso der certo, a história será linda - afirmou Leroy Burrell, de 46 anos, - mas também haverá alguma pressão.
A família Burrell é a família real da corrida nos Estados Unidos e exibe uma mistura rara de corredores e saltadores. Cameron, de 18 anos, está no último ano da escola de ensino médio Ridge Point, no sudoeste de Houston, e obteve a melhor marca entre os estudantes secundaristas do país nos 100 metros, com velozes 10,07 segundos no campeonato de atletismo Texas Relays. Sua melhor marca pessoal oficial, de 10,36 segundos, é a quarta melhor do país e o deixou em primeiro lugar este mês no campeonato de escolas de segundo grau do estado do Texas.
No encontro estadual, Burrell também ficou em segundo lugar no salto em distância. Sua melhor marca é de 7,60 metros, o que o torna um dos melhores saltadores de sua faixa etária.
Sua mãe, Michelle Finn-Burrell, faturou a medalha de ouro na competição feminina de 4 x 100 metros nos Jogos Olímpicos de Barcelona. Sua tia, Dawn Burrell, competiu no salto em distância nos Jogos Olímpicos de Sidney, em 2000, e o pai obteve a marca de 8,37 metros quando estava em Houston, uma marca que lhe garantiu o segundo lugar no campeonato do NCAA em 1989 e que teria sido suficiente para vencer os Jogos Olímpicos de Londres em 2012.
Com 1,73 metro e 70 quilos, Cameron lembra sua mãe ao correr, contando mais com a velocidade das pernas do que com a capacidade de propulsão do pai. Quando Cameron tinha 12 ou 13 anos, perguntou à tia Dawn se ela achava que ele seria capaz de chegar aos jogos olímpicos. Ela destacou as conquistas da família e respondeu: - Acho que você tem grandes chances.
Ninguém menos que Carl Lewis, amigo e ex-colega de equipe do pai no famoso Santa Monica Track Club, enviou mensagens de apoio à família sobre os Jogos Olímpicos de 2016, dizendo: - Rio de Janeiro, ou nada!.
Contudo, Leroy Burrell compreende melhor que ninguém a natureza imperdoável e darwinista do atletismo. Ele bateu o próprio recorde nos 100 metros no campeonato mundial de 1991, em Tóquio, apenas para ser batido por Lewis. Um ano mais tarde, Burrell queimou a largada da final dos 100 metros nos Jogos Olímpicos de Barcelona e acabou em quinto lugar, depois de largar com cuidado na prova vencida por Linford Christie, da Inglaterra.
Quando Cameron decidiu deixar o futebol americano depois de sua primeira temporada para se concentrar no atletismo, o pai o alertou para pensar duas vezes. No atletismo, os jogos olímpicos são considerados a única medida real do sucesso, mas só acontecem uma vez a cada quatro anos. Só há três vagas por modalidade para cada país e uma carreira toda pode ser construída ou destruída em menos de 10 segundos.
Nos Estados Unidos, ao menos, as medalhas de prata raramente são celebradas; em vez disso, são vistas como oportunidades perdidas de obter medalhas de ouro. Além disso, neste momento os jamaicanos Usain Bolt e Yohan Blake dominam as corridas, tendo terminado em primeiro e segundo lugar, respectivamente, nos 100 e nos 200 metros nos Jogos Olímpicos de Londres, com a marca impressionante de 9,58, um tempo que bateria com folga a melhor marca de Leroy Burrell.
- Acho que comentei que o atletismo pode ser um esporte cruel - afirmou Leroy Burrell. - Você pode ser muito bom e não ter reconhecimento ou oportunidades, além de não ser tão lucrativo quanto outros esportes. É complicado porque o que determina seu nível de sucesso se concentra em um período muito curto.
No final das contas, Cameron Burrell continuou determinado.
- Acho que estou preparado para o desafio - afirmou. - O futebol americano é um esporte popular, mas não é o meu favorito. Acho que o atletismo é o que faço de melhor. É divertido e gosto de trabalhar sob pressão. Além disso, do ponto de vista científico, acredito que forçar os limites humanos é incrível. Gosto de ver até onde os homens realmente podem ir.
Em 1985, Leroy Burrell obteve um dos melhores resultados da história do atletismo secundarista nos Estados Unidos. Sozinho, ele venceu o campeonato estadual da Classe 3A na Pensilvânia pela escola de ensino médio Penn Wood, dos subúrbios da Filadélfia, terminando em primeiro lugar nos 100 e nos 200 metros, no salto em distância e no salto triplo. Uma geração mais tarde, o filho superou as melhores marcas do pai no segundo grau: 10,36 contra 10,43 segundos nos 100 metros; 21,17 contra 21,81 nos 200 metros e 7,61 metros contra 7,38 do pai no salto em distância.
Até o momento, Cameron não parece se incomodar com a comparação com o sucesso do pai e obteve os melhores resultados em grandes eventos, ansioso por assistir a vídeos e estudar biomecânica, segundo seu treinador do ensino médio, Aaron Macik.
- Ele está dando o melhor de si e não está colocando muita pressão sobre si - afirmou Macik. - Além dos genes, ele tem uma grande ética de trabalho, é muito profissional. Ele não corre somente, ele gosta de aprender.
Não era certo que Cameron seria treinado pelo pai na universidade. Seus pais insistiram para que ele visitasse o maior número possível de escolas, afirmando que o filho deveria tentar a própria sorte. Cameron escolheu estudar administração na Universidade de Houston para ficar perto da família e não ter tanta dificuldade no processo de transição.
Naturalmente, ele conhece o treinador e sabe o que ele espera dos atletas.
- Nem todo treinador foi recordista mundial - afirmou Cameron Burrell. - Os treinadores sabem dizer tudo o querem de atleta, mas nem todos sabem dizer qual é a sensação de quem cruza a linha na frente de todo mundo.
A mãe de Cameron afirmou que a família nunca exibiu as medalhas de ouro obtidas em olimpíadas, mantendo-as no cofre de um banco a maior parte do tempo. Cameron acha que já chegou a vê-las, mas não tem certeza. Além disso, embora ele tenha visto vídeos dos pais correndo, eles sempre foram comedidos ao falar sobre o próprio desempenho.
- Não sei se fizemos uma tentativa subconsciente de não colocar pressão sobre ele - afirmou Finn-Burrell, acrescentando: - Nunca quisemos criar atletas olímpicos. Esse nunca foi nosso objetivo.
No que parece ser uma abordagem saudável, a família fala tranquilamente sobre os desafios de ter um homem que já foi o mais rápido do mundo na corrida e no salto como treinador de seu filho. Leroy Burrell sugeriu a Cameron que a melhor abordagem para ele é não tentar minimizar a pressão, mas reconhecê-la.
- Às vezes as expectativas serão injustas - afirmou Leroy Burrell. - Às vezes as pessoas o observarão mais de perto. É preciso aprender a conviver com isso, porque esse é o preço de ter esse nome.
Houve alguns momentos mais tensos, afirmou Leroy, quando Cameron disse: - Eu não sou você - quase levando os dois a concordarem que o melhor relacionamento para eles é como pai e filho, não como treinador e atleta.
Na competição estadual do Texas em 2012, Cameron venceu os 100 metros e terminou em terceiro nos 200, mas não ganhou medalhas no salto em distância. Depois que a família voltou para casa, Leroy Burrell afirmou que o assistiu ao vídeo com o filho e apontou as falhas em sua técnica de salto. Chateado, Cameron saiu da sala.
- Sabe, ele venceu os 100 metros, afinal de contas - afirmou Finn-Burrell ao marido.
Leroy Burrell afirmou que escreveu um bilhete se desculpando com o filho, afirmando que às vezes fica ocupado demais sendo treinador e se esquece de ser pai. Ele estava orgulhoso e deveria ter sido mais sensível, escreveu Leroy.
Contudo, ele também disse que sempre diria a verdade ao filho e não hesitaria em apontar as áreas em que Cameron precisa melhorar - relaxar nos últimos 40 metros, quando se aproxima do salto em distância.
- Não fico emotivo demais com isso, talvez por enquanto - afirmou Leroy Burrell. - Logo em seguida, comecei a pensar: 'Onde dá pra melhorar? O que foi bom? O que foi ruim?'. É isso que os treinadores fazem. Às vezes, quando se é pai, é melhor curtir e aproveitar a euforia. Preciso aprender a fazer isso melhor.
The New York Times
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