Causou espanto quando o meia Adilson, de futebol arrojado e vistoso, trocou o juvenil dos Eucaliptos pelo Olímpico. Sagrou-se campeão gaúcho pelo Grêmio e depois seguiu emprestado por vários clubes até se fixar no Esportivo, de 1976 a 1984. Há sete anos, Adilson adoeceu. No fundo de tudo estava a hepatite C, com o mórbido agravante de que ele não admitia a enfermidade nem mesmo para os melhores amigos.
O silêncio é padrão. Ex-atletas escondem a doença, rejeitam exames médicos e evitam comentários a respeito.
Um ex-jogador que fez nome no futebol paulista nos anos 1970 e mora em Porto Alegre tem uma explicação.
- É a vaidade. Ex-boleiro gosta de dizer "eu fui, eu fiz, eu ganhei" - declarou o ex-profissional, que prefere não se identificar porque ele próprio contraiu hepatite, fez tratamento, mas não gostaria de ver pública sua situação.
Desde a virada dos anos 2000, corre na Capital um velado temor pela doença. Ainda que casos de hepatite sejam frequentes, apenas alguns tomam a decisão de realizar o teste anti-HCV. A maioria se mantém calado. Coordenador da Cooperativa dos Esportistas Práticos do Brasil, que reúne ex-jogadores no projeto municipal Futebol Social Clube, dirigido a crianças de vilas pobres de Porto Alegre, Clóvis Meira trabalhou com Adilson no programa.
- A gente insistia, implorava para que ele fizesse os testes, e ele (Adilson) rebatia dizendo que estava bem - lamenta Clóvis, formado na base do Grêmio antes jogar pelo Interior.
Em 2005, Adilson morreu por falência múltipla dos órgãos, aos 58 anos.
- Tem muita gente que está morrendo - alertou o ex-profissional anônimo, num desabafo profético e triste, culpando a negligência.
Jorge Anadon, por exemplo. Era um volante vigoroso no Juventude, Atlético-PR, Inter-SM e treinou, entre outros, o Brasil-Pel e o Sapucaiense. Trabalhava no Kuwait e retornou às pressas, doente. Em fevereiro de 2012, morreu devido a complicações da hepatite C. Tinha 54 anos.
Num camarote da Arena, antes de Grêmio e Fluminense, no dia 10 de abril, o técnico Luiz Felipe Scolari, da Seleção Brasileira, surpreendeu-se quando soube da morte de Anadon:
- O Anadon? Não é possível!
Mesmo destino teve Fiorese. Zagueiro das bases do Grêmio, terminou a carreira no Atlético de Carazinho. Em 2003, morreu por hepatite C, aos 52 anos. Geraldo Almeida, o Sarará, da base de Inter e Caxias, foi doar sangue e descobriu o vírus. No ano passado, morreu aos 57 anos.
Há vários outros motivos para a negligência.
- Os caras evitam o teste da hepatite porque podem ser obrigados a largar a vida de churrascadas e bebidas - disse o técnico Ernesto Guedes, infectado numa transfusão de sangue.
Quem carrega o vírus e consome álcool acelera o caminho à cirrose e ao câncer de fígado.
O exemplo do ex-atacante Didi Pedalada é outro caso marcante. Orandir Portassi Lucas se destacou no Guarany de Bagé, Inter e Cruzeiro de Porto Alegre nos anos 1960 e 1970 e, após a carreira, já escrivão de polícia, foi condenado por envolvimento no sequestro dos uruguaios Lílian Celiberti e Universindo Diáz durante a ditadura militar. Um episódio rumoroso de 1978. Morreu em 1º de janeiro de 2005, aos 60 anos, oficialmente por parada cardíaca. Na cidade, porém, o comentário é de que ele tinha cirrose.
- Ele mesmo dizia: tudo o que precisava era de um fígado novo para o transplante - lembrou Valmir Louruz, ex-zagueiro do Inter e técnico.
Os amigos estavam certos: Didi Pedalada morreu com hepatite C.
A outra razão do silêncio é o receio de discriminação. Quem fala em fazer o teste ou revela a doença é tomado por alcoólatra. Quando não é confundido com ex-dopado ou aidético.
- É ignorância e preconceito, sim - definiu Wilson Piazza, tricampeão mundial com a Seleção de Pelé e Tostão, hoje presidente da Federação das Associações de Atletas Profissionais (FAAP), que congrega ex-jogadores de todo o país.
A entidade liderou, em 2010, uma campanha nacional contra hepatites virais. Registrou não mais do que 209 ex-jogadores com teste positivo no Brasil. Cerca de três dezenas no Estado.
Um deles é João Alberto, centroavante formado no Grêmio que jogou 13 anos no São José. Fez transplante de fígado e hoje zerou o vírus.
- A gente só fica sabendo quando está morrendo. Eu estava meio bronze - disse.
Clóvis Meira queria mais gente procurando um diagnóstico:
- O pessoal não faz nem exame da próstata.