O que acontecerá se o país que inventou as Olimpíadas não tiver mais condições financeiras para produzir atletas olímpicos?
À medida que os jogos de Londres deste verão se aproximam, essa possibilidade vem causando grande ansiedade na Grécia, onde atletas de elite têm sentido a pressão das medidas de austeridade em meio a uma crise de dívida sem precedentes.
O governo se esforçou para bolar um plano para gastar cerca de US$ 10 milhões por ano nas preparações olímpicas, de acordo com o Comitê Olímpico Helênico. Atletas afirmam que seus estipêndios financeiros costumam ser pagos com meses de atraso, e muitos treinadores passam meses sem receber salários. Muitos centros de treinamento precisam de reformas ou foram fechados. Uma psicóloga esportiva, que trabalha com atletas, tem trabalhado sem cobrar nada ultimamente.
Os gregos irão competir em Londres, mas é possível que entrem mancando um pouco na cerimônia de abertura, no dia 27 de julho.
- Jovens atletas sentem-se mais relutantes em continuar quando veem que os principais atletas não estão recebendo o que merecem, e que não recebem o apoio necessário - disse, através de um intérprete, Vassilios Sevastis, presidente da associação de atletas amadores da Grécia, ou SEGAS.
- Esse é um grande risco.
A Grécia competiu em todas as Olimpíadas de Verão desde que os jogos modernos começaram, em 1896, quando a sede foi Atenas. Até mesmo durante a Grande Depressão, a Grécia conseguiu mandar atletas para Los Angeles, em 1932 - o ano em que ignorou sua dívida externa. Para os Jogos Olímpicos de Inverno, a Grécia costuma mandar um punhado de esquiadores.
Para construir um time para Londres, o comitê olímpico do país tem procurado investidores privados, além de aumentar sua dependência em relação à ajuda do Comitê Olímpico Internacional. Agora, a maior preocupação é se a Grécia, que sediou as Olimpíadas de 2004, que acabaram simbolizando uma década de gastos excessivos, conseguirá sustentar essa estratégia por muito tempo.
Como outros atletas de elite, o saltador Kostas Filippidis disse que faz alguns meses que não recebe seu estipêndio de US$ 1.400 da federação de atletas.
- É claro que penso nisso, mas não posso me preocupar com isso o dia inteiro - ele disse, afirmando que mora em um apartamento que pertence ao seu pai, onde não precisa pagar aluguel.
- Defender o meu país nas Olimpíadas me traz muito orgulho.
Filippidis treina em uma área coberta do complexo do Estádio Olímpico. Ele disse que o aquecedor só fica ligado durante uma hora por dia. Quando visitamos o local recentemente, apenas alguns atletas estavam treinando lá, e um grande recipiente de plástico se encontrava na pista de salto à distância - não para servir como obstáculo, mas para segurar a água que estava vazando do teto acima.
Alkisti Avramidou, jogadora de polo aquático, disse "pensar duas vezes" antes de gastar até mesmo um euro, e que estava difícil continuar pedindo ajuda para os seus pais. Seu pai, que é médico, teve o salário cortado pela metade; sua mãe, funcionária pública, não recebe há meses. Exceto para ir aos treinos, Avramidou evita usar o carro, porque não tem dinheiro para a gasolina, que custa cerca de US$ 8 o galão.
Sevastis disse que a organização recebeu apenas três quartos dos US$ 9,6 milhões relativos ao orçamento de 2011, e só após uma injeção de US$ 1,6 milhões em dezembro. No mês anterior, a diretoria da associação suspendeu as atividades como forma de protesto.
Segundo Sevastis, a infusão de dezembro permitiu que treinadores e atletas fossem pagos, mas, de uma maneira geral, a associação paga hoje apenas 23 atletas de elite, comparado a 60 há dois anos.
Em meio à enorme taxa de desemprego na Grécia, um programa de empregos com o qual os atletas de elite costumavam contar se tornou uma questão arrastada e complicada. Na época de gastos mais livres, atletas que ganhassem medalhas ou fossem bem em competições internacionais recebiam empregos no setor público, onde contavam com salários enquanto treinavam e competiam pela Grécia.
Na prática, os atletas não compareciam aos empregos, mas uma nova lei exige que eles compareçam.
- Isso é paradoxal - disse Sofia Bekatorou, que ganhou uma medalha de ouro em iatismo em Atenas e uma de bronze em Pequim.
- Você recebe um emprego para que consiga praticar o seu esporte, mas depois é impedido de praticá-lo.
Bekatorou, uma das representantes dos atletas no Comitê Olímpico Helênico, disse que outros países usavam programas parecidos. Segundo os defensores do programa, sem ele, atletas jovens não contariam com muito incentivo para dedicar seu tempo aos treinos.
De acordo com Spyros Capralos, presidente do Comitê Olímpico Helênico, o caminho para Londres envolve a criação de novas relações com o setor privado - o que não é uma tarefa fácil em uma economia decadente.
- No passado, era mais fácil conseguir dinheiro do Estado grego, então não houve muito esforço nesse sentido, ou ninguém realmente se importava com isso - disse Capralos, que também é diretor executivo de uma empresa de navegação e foi um dos líderes do comitê de organização das Olimpíadas de Atenas, em 2004.
Segundo Capralos, o plano de quatro anos era de gastar US$ 40 milhões, mas depois de receber uma quota de US$ 10 milhões em 2009, o orçamento de preparação para as Olimpíadas foi eliminado. Ele já conseguiu novos patrocinadores, entre eles a empresa de apostas OPAP, que está contribuindo com US$ 6,5 milhões. (A Grécia é dona de 34 por cento das ações da OPAP.) A Olympic Air está oferecendo voos gratuitos. Algumas federações, como a de ginástica olímpica, conseguiram seus próprios patrocinadores.
Vasilis Tsolakidis, que irá participar pela primeira vez de uma Olimpíada aos 32 anos de idade, nas barras paralelas, recebe apoio da federação, mas disse que a empresa de sua família e seu patrocinador particular, a Traffic Oil, tornam o seu treinamento possível. Ele e a esposa criam quatro filhos, com idades entre 2 e 11 anos.
Maria Psychountaki, psicóloga esportiva da Universidade de Atenas, que trabalha com atletas há 22 anos, disse que, nos últimos dois anos, eles têm estado mais estressados, e que "eles estão preocupados em conseguir mais dinheiro para viver".
Fontes de financiamento improváveis têm ajudado. Segundo Joel Bouzou, secretário geral da União Internacional de Pentatlo Moderno, a organização doou duas novas pistolas a laser e um novo alvo de precisão, que valem US$ 4.500 ao todo.
- Sabemos que eles treinam muito - ele disse.
- São pessoas muito boas, e queremos ajudá-los.
Uma equipe de mais de 150 atletas - uma das maiores da Grécia - foi a Pequim em 2008, mas só conseguiu quatro medalhas e, pela primeira vez desde Seul, na Coreia do Sul, em 1988, nenhuma delas foi de ouro.
Quase 50 atletas já se qualificaram para as Olimpíadas de Londres. Capralos, que já participou de duas Olimpíadas jogando polo aquático, disse que "todos que se qualificarem irão".
Isso talvez só seja possível por causa do programa de solidariedade do Comitê Olímpico Internacional, que ofereceu ajuda a atletas necessitados. Dez atletas gregos - comparado com apenas quatro em Pequim - estão recebendo bolsas de cerca de US$ 1.000 por mês para as preparações para Londres, de acordo com o comitê olímpico nacional. O polo aquático feminino está recebendo um auxílio para todo o time.
Para os atletas gregos que ainda pretendem disputar as Olimpíadas, os desafios financeiros na preparação para Londres podem ser apenas o obstáculo mais imediato. Muitos atletas através do mundo já estão treinando para as Olimpíadas de Inverno de 2014, ou para depois dela.
- Essa maneira não está funcionando - disse Bekatorou, representante dos atletas no Comitê Olímpico Helênico.
- Precisamos encontrar outra maneira.