Há um pedaço da história do Inter neste time de Guto Ferreira que, neste sábado, enfrenta o Santa Cruz, no Arruda, às 16h30min.
A maioria dos jogadores do atual grupo ainda está conhecendo o auxiliar André Luís dos Santos Ferreira, 58 anos. Nem imaginam que, por trás do sujeito de cabelo a zero e de conversa fácil, está o 16º jogador com maior número de partidas na história do clube, com 352. Tampouco imaginam que ele fazia parte do grupo campeão brasileiro invicto em 1979 e era titular do Inter tetracampeão gaúcho e medalha de prata na Olimpíada de Los Angeles, em 1984. Ainda hoje, André é o segundo zagueiro com maior número de gols nos 108 anos de vida do clube, com 28, atrás apenas de Índio.
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O auxiliar se resigna com o desconhecimento do grupo. Até porque isso é quase nada diante da alegria por estar outra vez no Beira-Rio. A contratação de Guto Ferreira abriu-lhe a oportunidade de dar sequência a uma relação de 23 anos com o clube do coração. André chegou ao Inter em 1973, aos 14 anos. Seguiu o irmão, Carlos Henrique, dois anos mais velho e lateral-direito dos juvenis. Apareceu nos Eucaliptos, agradou na lateral esquerda e ficou.
Nessa época, o clube ajudava apenas com as passagens de ônibus, e isso pesou no orçamento dos Ferreira. Viúva e com sete filhos para criar, dona Maria Nair precisou que um dos guris trocasse a bola por um emprego com salário. Carlos fez o sacrifício em nome do mais novo. Que não decepcionou. Cinco anos depois, já figurava no time principal, promovido como zagueiro por Cláudio Duarte.
A ascensão ao profissional teve no caminho um episódio que ganhou as manchetes dos jornais de Porto Alegre em 25 de junho de 1977. O caso ficou conhecido como "O sequestro do futebol gaúcho". André jogava no juvenis do Inter apenas pelas passagens dos ônibus entre a Vila Santa Izabel, em Viamão, e o Beira-Rio.
O Grêmio soube e bateu em sua casa com oferta de contrato, salário e emprego para a mãe. O guri topou. Já estava no Olímpico quando a informação chegou aos gabinetes do Beira-Rio. Jantava uma noite no alojamento quando um carro encostou na porta. Um segurança gritou da porta.
– Quem é o André Luís?
– Sou eu aqui, o que houve?
– Tem uma pessoa querendo falar contigo.
Não era uma. Eram duas, recorda André Luís. Os diretores Rubens Garcia, o Rubinho, e Raul Cabral foram resgatá-lo em território inimigo. André se recorda até hoje do diálogo com Rubinho:
– "Negão", o que tu estás fazendo aqui?
– Ah, doutor, ofereceram apartamento mobiliado, emprego para a minha mãe e mais um salário. No Inter só ganho as passagens.
– Pega as tuas coisas e vamos para o Beira-Rio. Lá, vamos de ter muito mais.
Assim, André ganhou o primeiro contrato. Em setembro de 1978, quando o uruguaio Salomon fraturou tíbia e fíbula em um Gre-Nal de reservas, Cláudio Duarte chamou o lateral para o profissional. A conversa foi rápida:
– Preciso que tu jogues de zagueiro. Vamos?
– Claro, é a chance que estava esperando.
André fez parte do grupo campeão gaúcho de 1978. Mas não acabou a temporada. Rompeu o ligamento cruzado anterior ao cair sobre Benitez no Centenário. Há quase 40 anos, sobreviver a essa cirurgia só com milagre ou sendo uma fortaleza física. Foram nove meses de fisioterapia. Ao final, o joelho inchava depois de cada treino. O médico Humberto Costa e Silva bateu na sala do presidente Marcelo Feijó, tio do atual presidente do Inter, Marcelo Medeiros. Pediu para levar André a Londres, onde estava uma das maiores autoridades mundiais em lesões no joelho.
Uma semana depois, o lateral desembarcou em Porto Alegre com o diagnóstico de desequilíbrio muscular. Corrigiu e voltou a jogar marcando Serginho Chulapa em amistoso contra o São Paulo, no Morumbi. Foi um dos melhores em campo.
O problema de André foi que, ao retornar, a quarta-zaga tinha um outro guri como dono. Mauro Galvão, então com 17 anos, assombrava pela técnica e segurança ao lado de Mauro Pastor.
A saída foi voltar à lateral-esquerda. Como Cláudio Mineiro havia deixado o Beira-Rio depois do tri brasileiro, o guri do sequestro virou titular. Ficou no Inter até 1985. Saiu e rodou por Bahia, Coritiba, São José, Bangu, Sport, Sãocarlense-SP e encerrou a carreira na Catanduvense, em 1995. Um ano depois, estava de novo no Inter. Como técnico na base, foi do infantil aos juniores. Ajudou a revelar nomes com Rafael Sobis, Nilmar, Edinho e Luiz Adriano. Foram 10 anos na base e nova saída para ser técnico e, depois, auxiliar. Em 2011, no Criciúma, ele firmou a parceria com Guto Ferreira. Há menos de duas semanas, seu telefone tocou na noite quente de Salvador:
– André, é o Guto. Acertei com o Inter. Vamos embora?
O coração do ex-zagueiro acelerou. E o pensamento recuou a 1973, nos Eucaliptos. A conversa se encerrou com um "vamos embora". Não tinha como ser diferente, garante André pouco antes de ir encarar o vento gelado do Guaíba no treino:
– Não há como desvincular. Tudo o que tenho hoje é graças a isso aqui – encerra, apontando para o escudo no agasalho cinza do Inter e valorizando uma história de 352 jogos e 23 anos.