Em uma tarde de junho de 2012, sentado ao lado da mulher em um banco de praça da pequena Araripina, interior de Pernambuco, Bruno Grassi decidiu que abandonaria o futebol. Recém havia se curado de uma dengue, tinha quebrado o dedo de uma das mãos, sua casa não tinha cama, nem sofá e, para completar, o salário era baixo. Com 12 anos de carreira, ainda patinava, sem a perspectiva de um futuro mais tranquilo.
Só não levou adiante a decisão de voltar para a catarinense Tubarão, sua cidade de nascimento, onde retomaria os estudos e tentaria outra profissão, porque a mulher o demoveu. Barbara argumentou que seria injusto deixar para trás o sonho de infância. Seria uma traição também aos pais, primeiros incentivadores para que fosse jogador. Grassi concordou, cumpriu o resto do contrato com o Araripina, passou ainda por quatro outros clubes e, por fim, encontrou seu porto seguro no Grêmio, em 2015.
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Quem ouve as histórias do goleiro de 1m93cm, substituto de Marcelo Grohe durante a convocação do titular para a Seleção Brasileira, se convence de estar diante de um sobrevivente. Dentre as incontáveis histórias de Bruno Grassi, a da dengue é a mais marcante.
– Peguei a doença durante a pré-temporada. Um dia, acordei com muita febre. Fui treinar, tive um mal estar. Não tinha carro, saí me arrastando, caminhei mais de um quilômetro até chegar em casa – descreve, com minúcias.
No dia seguinte, apesar de debilitado, Grassi não faltou ao treino. A situação se agravou durante os trabalhos. Sentia agulhadas pelo corpo a cada movimento mais brusco.
– A febre aumentava, tinha dor nas juntas, atrás dos olhos. Chegava em casa parecendo que tinha tomado um laço. Só me mandaram parar de treinar quando começaram a aparecer pintas no corpo – sorri.
As experiências seguintes foram muito melhores. Do Araripina, Grassi transferiu-se para o Mogi Mirim. No interior paulista, desfrutou, finalmente, de qualidade de vida, assim como no Planalto Médio gaúcho, nos 18 meses em que defendeu o Passo Fundo. Suas aventuras, contudo, ainda não haviam terminado. Em 2014, Grassi acertou-se com o Águia, de Marabá e conheceu um Brasil que não aparece nos cartões-postais.
– As mulheres dos outros jogadores reclamavam que não tinha nem esgoto na cidade. A minha dizia que Marabá era perfume francês perto do que a gente já havia passado – comenta, com bom humor.
Grassi ainda fala com os amigos daquela época. Nas conversas com eles, lembra, entre outras coisas, dos índios que haviam enriquecido com a venda de suas terras para a Mineradora Vale e dirigiam caminhonetes luxuosas, com chapelões na cabeça. Sente saudade do povo acolhedor, mas de sangue quente.
– Um dia, o massagista se desentendeu com um diretor, pegou uma faca de cozinha e o perseguiu dentro do clube. Quando achamos que tudo tinha se acalmado, o diretor surgiu com um revólver na mão para matar o massagista. Foi um pânico – relata.
Eleito o melhor goleiro do Pará, acertou-se com o Cruzeiro para o Gauchão de 2015. Faltava o glamour da primeira experiência em Porto Alegre, entre 2000 e 2007, período em que atuou pelo Inter antes de transferir-se para o Marítimo, de Portugal, e disputava vaga com Clemer e Renan. Mas era a chance que Grassi esperava para o salto definitivo na carreira.
– Meu treinador (Cléber Sgarbi) dizia que a meta era fazer de mim o melhor goleiro do Gauchão. Sofri lesões, quase fiquei fora da pré-temporada, mas não desistimos – diz.
Dois jogos contra o Inter abriram as portas para um futuro mais promissor. No primeiro, Grassi ganhou as manchetes por defender um pênalti cobrado por Anderson, que estreava naquela noite. No segundo, foi eleito o melhor jogador em campo no empate em 2 a 2, no Beira-Rio, partida ainda hoje lembrada pelos dois pênaltis polêmicos assinalados a favor do time de Diego Aguirre. Derrotado nas penalidades, o Cruzeiro caiu nas quartas de final.
– Era o jogo para eu colocar toda uma campanha por água abaixo ou dar o salto – lembra.
Grassi deu o salto e foi contratado pelo Grêmio, por indicação de Felipão. Mas manteve os vínculos com o ex-clube. Ainda hoje, quando o apertado calendário de jogos e treinos proporciona uma folga, o goleiro faz visitas a Anísio, seu reserva em 2015, a quem presenteia com alguns dos seis pares de luvas que recebe por mês da patrocinadora. Dias atrás, durante café com o técnico Luís Antônio Zaluar, os dois lamentaram pelo iminente risco de rebaixamento do Cruzeiro.
– Ele é um profissional totalmente acima da média. Fora de campo, também impressiona muito. É um líder. Quando vê que um companheiro precisa de ajuda, logo se prontifica – testemunha o carioca Zaluar, que voltou para o Rio depois de deixar o Cruzeiro.
O Grêmio é a compensação por tantas dificuldades em 16 anos de carreira. Grassi agradece pela oportunidade, estimula os jovens goleiros a que desfrutem da chance de atuar por um clube de tamanha relevância e os orienta a que não caiam nas conversas dos falsos amigos e fujam das "marias chuteiras". É sua contribuição para que não sejam obrigados a passar pelas mesmas dificuldades vividas por ele.
Na semana passada, encontrou-se com o goleiro Tiago, que treina em horário alternativo desde o afastamento pelas falhas cometidas em 2015. Solidário, Grassi usou sua própria história de vida para mostrar a ele que a profissão é marcada por obstáculos e é preciso ser paciente para ultrapassá-los.
Com mais um ano de contrato por cumprir com o Grêmio, o goleiro diz não ver motivos para ficar apreensivo se novos percalços surgirem pelo caminho depois de abril de 2017, data do encerramento de seu vínculo.
– Espero ficar aqui por muito tempo. Mas, se sair, vou plantar novamente para colher lá adiante – prepara-se Grassi.
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