O Silva em seu nome indica a brasilidade. O Marta simboliza a referência quando se fala de futebol feminino. Aos 37 anos, Marta Vieira da Silva viverá mais um capítulo com a Seleção Brasileira em Copas do Mundo. A competição da Austrália e Nova Zelândia terá um significado a mais para a camisa 10. A estreia nesta segunda-feira (24), contra o Panamá, marcará a contagem regressiva do "the last dance" da rainha em Mundiais.
Antes do embarque para a sua sexta participação, Marta anunciou que esta será a sua última aparição em Mundiais como jogadora. A declaração foi feita na zona na mista do Estádio Mané Garrincha, após a goleada sobre o Chile.
— É a minha última Copa do Mundo, sim. A gente tem que entender que em algum momento temos que priorizar outras coisas também, eu tenho planos para isso. Eu só tenho a agradecer por todos esses anos aqui na Seleção e estar tendo a oportunidade de ir para a minha última Copa do Mundo. Para mim, é algo surreal.
Priorizar passou a ser um verbo mais presente em sua carreira. Novos planos estão sendo traçados para a vida pessoal. Depois de ajudar a construir uma nova realidade para o futebol feminino, a atacante quer realizar novos sonhos, mas não apenas dentro de campo. Em entrevista recente ao Esporte Espetacular, da TV Globo, confirmou que planeja uma pausa na carreira para tornar real o desejo de ser mãe:
— Eu sempre tive esse desejo, essa vontade. Eu não tenho nenhuma foto de quando eu era bebê, pela dificuldade da minha família, minha mãe criou a gente sozinha, com quatro filhos, não tinha condições. O que eu tenho de quando criança é com nove, oito anos. Então, às vezes, eu tento imaginar como eu era quando criança. E também pelo fato de eu gostar muito de criança. Apesar de teoricamente ser mãe dos meus sobrinhos, da galera toda lá de casa, mas meu mesmo olhar assim e me ver de alguma maneira.
O futebol feminino depende de vocês para sobreviver. Valorizem mais, chore no começo para sorrir no fim.
MARTA
Desabafo após a eliminação na Copa do Mundo de 2019
Os fatos mais recentes ajudam a contar a história da mulher, que herdou o dom de valentia da mãe, dona Tereza Vieira, e virou exemplo no mundo todo. Desde a juventude em Dois Riachos, no interior de Alagoas, precisou estabelecer uma luta para realizar o sonho de ser atleta profissional. Naquele tempo, nem uma mudança de regulamento em um dos torneios de futebol local, em razão da qualidade de Marta em comparação aos outros meninos, impediu que ela desistisse do sonho.
Depois da iniciação no CSA, foi necessário tomar novos rumos. E ela tomou. Tomou o ônibus com destino ao Rio de Janeiro, em uma viagem de aproximadamente 2 mil quilômetros. Aos 14 anos, iniciou a carreira profissional com a camisa do Vasco da Gama.
Na capital fluminense permaneceu de 2000 até 2003, quando o time foi encerrado. A técnica Helena Pacheco, uma de suas mentoras, conseguiu uma nova oportunidade no Santa Cruz, de Minas Gerais. Foi neste ano que veio a primeira oportunidade com a Seleção Brasileira, na disputa da Copa do Mundo.
No Mundial realizado nos Estados Unidos, o técnico Paulo Gonçalves começou a comandar a geração que tinha Marta, Cristiane e Rosana se juntando a nomes como o de Formiga. Naquela edição, assumindo a camisa 10, Marta marcou três gols em quatro partidas. Era o ensaio para apresentação de Marta ao mundo, a partir dos anos seguintes.
Em 2004, aos 18 anos, aceitou a proposta Umea IK, da Suécia. Disputou os Jogos Olímpicos de Atenas, e ficou com a prata na decisão contra os Estados Unidos.
A sequência como melhor jogadora do Mundo
Em 2006, após a sua terceira indicação, Marta foi a primeira brasileira a ganhar o prêmio da Fifa de melhor jogadora do mundo. Foi apenas a primeira de seis cerimônias em que a atleta subiu ao palco para receber a honraria. O roteiro se repetiu em 2007, 2008, 2009, 2010 e 2018.
A cada temporada, novos feitos foram construídos. Em 2007, no vice-campeonato Mundial (a melhor campanha em Copas), Marta foi a artilheira, com sete gols, e a melhor jogadora do torneio. Atrelado ao desempenho nos Jogos Pan-Americanos, com a conquista do ouro para um Maracanã com mais de 80 mil pessoas, um novo panorama nasceu para a modalidade no Brasil. A partir dali, a CBF voltou a promover competições de futebol feminino.
Nos anos seguintes, viveu fases intermitentes entre o futebol dos Estados Unidos, Suécia, e até mesmo o retorno ao futebol nacional, jogando pelo Santos. Atualmente, está no Orlando Pride desde 2017.
Chorar no começo para sorrir no fim
A Copa do Mundo de 2019 foi marcada por discursos fortes de Marta, e não apenas como palavras. Durante o Mundial da França, a camisa 10 do Brasil usou chuteiras pretas, sem nenhum patrocínio, com faixa azul e rosa, reivindicando a igualdade de gênero no futebol. Ela também foi nomeada como Embaixadora da ONU Mulheres para ser mais uma voz em defesa dos direitos femininos no esporte.
O episódio marcante foi a entrevista após a eliminação para a seleção local, nas oitavas de final, na prorrogação. Em tom de desabafo, Marta mandou um recado para todas as atletas.
— O primordial é que a gente tem que chorar no começo para sorrir no fim. Quando digo isso, é querer mais, é treinar mais, é se cuidar mais, é estar pronta para jogar 90 e mais 30 minutos, quando minutos for. É isso o que eu peço para as meninas. Não vai ter uma Formiga para sempre, não vai ter uma Marta para sempre, não vai ter uma Cristiane. O futebol feminino depende de vocês para sobreviver. Então pensem nisso, valorizem mais, chore no começo para sorrir no fim.
A frase ganhou tanta repercussão que virou tema de samba-enredo. Em 2020, a escola Inocentes de Belford Roxo, do grupo de acesso do Rio de Janeiro, escolheu Marta como tema. O objetivo era valorizar as mulheres através de uma menina que saiu de Dois Riachos, em Alagoas, e conquistou o mundo.
O pacto das atletas em sua última Copa
A jogadora, que influenciou gerações de meninas em busca do sonho de jogar futebol, é a principal inspiração para a conquista de uma estrela que a Seleção persegue desde 1991, quando participou da primeira edição da Copa do Mundo.
Em 2023, essa busca ganhou um fator ainda mais especial. Antes de chegar para o Mundial, as 23 convocadas deixaram claro que a busca deste título seria pela camisa. Um pacto foi montado pelo grupo, algo semelhante ao que aconteceu na Copa do Catar, com a Argentina por Messi.
— Ela é o maior símbolo do futebol feminino. Ela merece muito este título. Se Deus quiser, vamos conseguir o título, e ela vai lembrar disso para sempre — contou a zagueira Rafaelle na Rádio Gaúcha, após o último amistoso contra o Chile.
O que Marta representa para você?
Mais do que contar os feitos históricos de sua carreira, é preciso destacar o papel de referência de Marta para milhões de crianças, jovens e mulheres. GZH colheu depoimentos da base da Seleção, que dará andamento ao legado de Marta. Alguns dos relatos dão a dimensão do que Marta construiu ao longo de seus 37 anos.
Giovana Canali, 17 anos, atacante do Prime FC (EUA) - Marta é sinônimo de futebol feminino. Ela simboliza a realização do sonho de toda menina que ama jogar bola. Além de ter se tornado a melhor jogadora de futebol, ela inspira a todas nós a acreditarem que é possível ter uma carreira e representar com garra e orgulho o nosso Brasil.
Gi Fernandes, 18 anos, lateral do Santos - Ela representa o futebol feminino. Ela representa luta e igualdade de gênero e é uma inspiração tanto para mim quanto para muitas outras garotas, não só nessa geração, mas também em gerações passadas e nas futuras. A Marta é uma força, é uma luta por direitos iguais e um ótimo exemplo de atleta, tanto como talento quanto como profissionalismo. A Marta, ela é a nossa rainha e sempre ser.
Guta, 18 anos, zagueira do Inter - Para mim, a Marta é uma figura de superação que vai além das quatro linhas do campo. Ela é uma mulher forte que lutou contra os preconceitos e inspirou milhares de pessoas. Hoje em dia, eu entendo a sua história e sei o quanto lutou para a nossa geração ter os privilégios que temos. Ainda falta muito para termos o mesmo reconhecimento que o masculino, mas ela continua na luta pra isso e influência nós a fazermos o mesmo.
Giovanna Barraca, 19 anos, zagueira do São Paulo - A Marta foi uma das mulheres que mostrou pra nós atletas que é possível chegar lá, que o sonho é possível, ela é inspiração, exemplo de força e dedicação. Deixou e vai deixar muitos legados na história do futebol feminino.
Números de Marta
- Gols pela Seleção brasileira: 119
- Jogos pela Seleção brasileira: 181
- Prêmio de melhor jogadora do mundo da Fifa (atual The Best): 6 (2006, 2007, 2008, 2009, 2010 e 2018)
- Participações em Copas do Mundo: 6 (2003, 2007, 2011, 2015, 2019 e 2023)
- Gols em Copas do Mundo: 17 (maior número entre mulheres e homens). Marcou gols em todas as edições que disputou
- Participações em Olímpiadas: 5 (Atenas 2004, Beijing 2008, Londres 2012, Rio 2016 e Tóquio 2020)
- Medalhista de prata em Jogos Olímpicos: 2 (Atenas 2004 e Beijing 2008)
- Bicampeã dos Jogos Pan-Americanos: Santo Domingo 2003 e Rio de Janeiro 2007
- Tricampeã da Copa América: (2003, 2010 e 2018)
- Oito títulos em ligas nacionais: (5 na Suécia, 2 nos EUA e 1 no Brasil)
- Dois títulos continentais: (Copa Libertadores de 2009 e Liga dos Campeões 2003/2004)