O funcionamento de bibliotecas em escolas estaduais permanece afetado em função da decisão anunciada pela Secretaria Estadual da Educação (Seduc), no início deste ano letivo, de retirar professores dos espaços para realocá-los em sala de aula. A justificativa foi a necessidade de suprir a falta de docentes.
No entanto, com o cobertor curto, resolve-se parte de um problema — a substituição de alguns professores — mas abre-se outra lacuna na educação, uma vez que, mais de três meses depois, bibliotecas permanecem fechadas. A Seduc não tem prazo para solucionar a questão, embora em março tenha afirmado que a situação seria temporária.
Em nota enviada à reportagem de GaúchaZH, a secretaria informou que construirá um plano de trabalho, com o Conselho de Biblioteconomia do Rio Grande do Sul, para resolver a questão e que "não há orientação para o fechamento de bibliotecas", mas confirma que os professores que atuavam nos espaços de leitura foram remanejados.
Duas das cinco maiores instituições de ensino estaduais em Porto Alegre, a Escola Técnica Estadual Parobé, localizada no Centro, e o Colégio Estadual Engenheiro Ildo Meneghetti, na Restinga Nova, concentram 4.392 alunos e ambas estão com as portas de suas bibliotecas fechadas.
O acesso aos livros no Parobé, que tem 2.546 alunos distribuídos entre o Ensino Médio e Técnico, foi interrompido em maio deste ano. As duas bibliotecárias que faziam atendimento nos três turnos da escola se aposentaram. A direção então deslocou um professor que estava afastado das salas por motivos de saúde e atuava na parte administrativa para a biblioteca. Porém, a solução encontrada durou pouco,como explica a vice-diretora de Recurso Humanos do Parobé, Iraci Milnickel.
— Aproximadamente dois meses depois que encontramos essa saída para o problema, ele foi convocado para trabalhar na Seduc — diz Iraci.
Ponto de encontro entre os alunos e os livros
No bairro Restinga Nova, no extremo sul da Capital, o Colégio Estadual Engenheiro Ildo Meneghetti, que tem 1.846 alunos, também está com sua biblioteca desativada. O profissional responsável pelo espaço e pelas atividades culturais da escola foi remanejado e, agora, leciona História - disciplina na qual é habilitado - para atender os estudantes do ensino regular do próprio colégio que não contavam com esta disciplina. A portas fechadas, a biblioteca funciona como um depósito de livros, diz o diretor da instituição, Ranir Rodrigues.
— Há alguns anos, estamos passando por um processo de sucateamento. Neste ano, se ela ficou dois meses aberta foi muito. Vivemos uma situação de descaso em que não há uma preocupação política de manutenção deste espaço como um ambiente de amparo ao educando — critica Rodrigues.
A psicopedagoga e especialista em transtorno do desenvolvimento Pamela Dutra afirma que o fechamento de bibliotecas prejudica o processo de aprendizagem dos estudantes e ressalta a importância de um profissional dedicado a projetos que envolvam literatura:
— A biblioteca deve ser entendida como ponto de encontro entre os alunos e os livros. O fechamento desses espaços em detrimento do deslocamento de professores para a sala de aula dificulta a formação de novos leitores. Além disso, a leitura auxilia no domínio da linguagem verbal, da escrita e da concentração. Isso é o que torna importante a presença, na escola, de um profissional apto a indicar obras aos estudantes, mas que também desenvolva projetos que atraiam novos entusiastas da literatura — diz a especialista.
No interior do Estado a situação se repete. Desde o início do ano letivo, a biblioteca da Escola Estadual de Ensino Médio José Mânica, em Santa Cruz do Sul, sofre com as sucessivas perdas de bibliotecários. A diretora da instituição, Daiana Lopes, relembra que a funcionária que fazia os atendimentos no turno da manhã passou a dar aula para as séries iniciais. Depois, um professor de História se aposentou, e a bibliotecária deste mesmo turno teve de assumir a vaga dele, por ser habilitada nesta área de conhecimento. Por fim, a funcionária que realizava os atendimentos à noite assumiu a função de supervisora da escola.
— Em meio a todas estas perdas, estávamos ainda, até pouco tempo atrás, sem professores de Português, de Geografia e de Inglês. É uma tortura psicológica o que está sendo feito conosco. Em função desse remanejo, todos os projetos que envolviam literatura foram interrompidos — conta.
Funcionários poderiam acompanhar alunos
Por meio de nota, a Seduc informou que “na ampla maioria das Escolas, há vice-diretores nos turnos de funcionamento, monitores que acompanham a movimentação dos alunos, além do próprio professor que pode acompanhar os alunos nas pesquisas à biblioteca”.
A biblioteca deve ser entendida como ponto de encontro entre os alunos e os livros. O fechamento desses espaços em detrimento do deslocamento de professores para a sala de aula dificulta a formação de novos leitores.
PAMELA DUTRA
Psicopedagoga e especialista em transtorno do desenvolvimento
Entretanto, a prática desse acompanhamento tem se mostrado difícil de ser executada. Os diretores das instituições entrevistadas pela reportagem de GaúchaZH relataram que a escassez de funcionários não deixa margem para a realização desse tipo de atendimento.
A vice-diretora de Recursos Humanos do Parobé diz que a única monitora da escola já exerce as atividades de controle da portaria, supervisão do pátio e cuidado com os alunos.
— Se eu desviá-la dessas atribuições, fico descoberta em outras demandas da escola. E eu sou responsável pelo setor de Recurso Humanos, não tenho como me deslocar também — diz Iraci.
Segundo a Seduc, a rede estadual conta com apenas 17 bibliotecários para atuação nas escolas da rede. A secretaria não informou o número de professores que atuavam nesses espaços e que foram remanejados para salas de aula. A pasta também não tem um levantamento sobre o número de bibliotecas fechadas.
Outros casos de escolas afetadas pelo fechamento
GaúchaZH encontrou ainda outros casos de escolas que tiveram as bibliotecas fechadas. Com 563 estudantes, o Colégio Estadual Cândido José de Godói, localizado no bairro Navegantes, na Capital, também teve os trabalhos na sala de leitura interrompidos em função da saída do profissional responsável pela administração do espaço. Ele foi encaminhado pela Seduc a outra escola, para ser professor de História e Ensino Religioso.
Vice-diretora da instituição, Clarice Dal Médico explica que o funcionário fazia atendimento de 20 horas semanais, divididos entre os turnos da manhã e da tarde, e que a biblioteca era muito utilizada por alunos que buscavam acesso às leituras obrigatórias do vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
— Agora, ela está fechada. Nossa biblioteca era muito boa, e os alunos precisam dela. É uma lástima estar fechada, é triste vivermos uma política que não valoriza a leitura — diz Clarice, ressaltando que a instituição enfrenta ainda a falta de professores das disciplinas de Física e Química.
Em Belém Novo, na Capital, a Escola Estadual de Ensino Fundamental Vicente da Fontoura está com sua biblioteca desativada desde abril. As duas professoras (com regime de 20 horas semanais cada) que eram responsáveis pela biblioteca e pela hora do conto junto aos estudantes das séries iniciais foram deslocadas para salas de aula, porque havia a falta de profissionais que atendessem os primeiros anos.
Nos primeiros anos, contamos em sala de aula com caixas de livros de literatura que ficam ao alcance dos pequenos, mas nos anos mais avançados, não. Há uma barreira entre eles e os livros, e isso dificulta a construção de um público leitor. Quando uma biblioteca é desativada, não tem como tu instigar o gosto pela leitura no aluno.
MARILENA DA ROSA
Vice-diretora Escola Estadual de Ensino Fundamental Vicente da Fontoura
As prateleiras, que antes tinham bastante espaço entre elas para que os alunos pudessem transitar entre as obras, agora estão com livros amontoados. Isso porque o espaço que abrigava a biblioteca e a sala de leitura, agora, contempla também setores administrativos da instituição. Paulo Amaral, diretor da Vicente da Fontoura, afirma que o problema da falta de professores foi resolvido por hora, visto que uma das bibliotecárias, que ministra aulas, se aposentará nos próximos meses. Ele destaca ainda que o fechamento da biblioteca é uma perda grande para a comunidade escolar.
— As 400 crianças que atendemos estão prejudicadas. Elas não conseguem levar as obras para casa. Desse jeito, a qualidade da formação dos alunos sofre um baque grande, porque a parte pedagógica fica sem um de seus pilares — diz Amaral.
Marilena da Rosa, vice-diretora e professora do 4° ano, afirma que alunos das séries mais avançadas são ainda mais prejudicados.
— Nos primeiros anos, contamos em sala de aula com caixas de livros de literatura que ficam ao alcance dos pequenos, mas nos anos mais avançados, não. Há uma barreira entre eles e os livros, e isso dificulta a construção de um público leitor. Quando uma biblioteca é desativada, não tem como tu instigar o gosto pela leitura no aluno — declara Marilena.