Onira é mãe de Maria, que é mãe de Graziella, que é mãe de Bernardo. As quatro gerações da mesma família ocupam as carteiras da Escola Santa Cruz, em Farroupilha, desde a década de 1950. Parte dela estendeu as relações com a escola para além da sala de aula. Onira Tolotti, 73 anos, "Tia Onira", como é carinhosamente chamada pela diretora Flávia Zangalli, atuou como merendeira no local por mais de 20 anos. Tica, como é conhecida Maria Elena Menti, 52, trabalha como servente. Ambas cultivam memórias que muitos dos alunos sequer conseguiriam imaginar.
– Na época das irmãs, tinha muitos castigos. Quem aprontava apanhava de régua, era trancado em um quartinho ou tinha de ficar ajoelhado na frente do quadro – lembra a aposentada, que estudou no Santa Cruz da 2ª a 4ª série.
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Até a década de 1970, as irmãs eram as únicas professoras, e o número de turmas era bem reduzido – a Santa Cruz foi ampliada para receber crianças de outras localidades, onde escolas foram fechadas. Tica não esconde a fama de sapeca que ganhou nos tempos de estudante, quando fugia no meio das aulas, em pleno castigo.
– A escola era um lugar mais rígido. Hoje não se vê mais essas coisas – conta a mulher de olhos claros, que confessa: como profissional, acha mais difícil se lembrar dos alunos comportados.
Já Graziella, 33 anos, tem boas memórias de sala de aula até a pré-adolescência, quando a rebeldia se voltou contra a vida rural. A simpática horta em frente à Santa Cruz, hoje utilizada para incrementar a merenda e em atividades com os alunos, tornou-se um lugar a ser evitado.
– O problema mesmo eram as aulas de técnicas agrícolas. Não queríamos mais capinar, queríamos sair do Interior – lembra.
Tão logo concluiu o Ensino Fundamental, Graziella foi em busca uma vida cada vez mais urbana. Cursou o Ensino Médio em uma escola do centro de Farroupilha e, anos mais tarde, grávida de Bernardo, mudou-se para um apartamento na cidade.
A sensação de isolamento em um condomínio de 10 andares onde só conhecia o síndico desencadeou um sentimento impensado: a saudade do Interior. Um ano depois da mudança, quando o filho estava com nove meses, retornou ao distrito em que foi criada.
– Quando voltei, me senti em casa. Aqui todo mundo se conhece. Tem o lado ruim, de um falar da vida do outro, mas quando se tem um filho se vê o lado bom. Nenhuma criança gazeia aula sem que o pai fique sabendo – conta a mãe de Bernardo, aluno do pré.
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Graziella, a mãe e a avó vivem em diferentes pontos de Nova Milano – todos ao redor da área central do distrito –, de onde observam vestígios da escola em tudo que ocorre no local: ao mesmo tempo em que a instituição representa a comunidade, conta com ela para se fortalecer. Para elas, Nova Milano e Santa Cruz já são peças indissociáveis de um quebra-cabeças perfeitamente encaixado. Nem que seja para fazer um pouco de barulho.
– Nem imagino como seria o distrito sem a escola. Já é silencioso assim, imagina sem ela – diz Tia Onira.