Numa sociedade em que o hábito da leitura não é muito cultivado e nestes tempos em que os livros disputam a atenção das crianças com jogos eletrônicos, incentivar a leitura não é algo fácil, mas alguns educadores e estudantes resolveram encarar o desafio e mostraram que, sem nenhum passe de mágica, podem aproximar crianças e jovens da literatura.
Na semana passada, o Prêmio RBS de Educação – Para Entender o Mundo apresentou os vencedores da quarta edição, que, como nas anteriores, reconheceu iniciativas que impulsionaram a leitura no ambiente escolar.
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Três categorias foram premiadas: Educador de Escola Pública, Educador de Escola Privada e Jovem Protagonista de Escola Pública. A categoria Jovem Protagonista de Escola Privada não teve inscritos. Nove trabalhos chegaram à final. Eles foram selecionados por um júri de especialistas em leitura, professores e profissionais do Grupo RBS, e a escolha dos vencedores se deu por votação popular. No total, foram 135 mil votos.
Na categoria Educador de Escola Pública, o projeto "Ler, pensar e representar", de Henrique Silveira Leal, da Escola Municipal de Ensino Fundamental Tuiuti, de Osório, foi o preferido pelo público. Entre os educadores de escola privada, Giséli Lindemann Buerger foi a vencedora com o projeto "Multiplicadores de leitura", desenvolvido no Colégio Marista Pio XII, de Novo Hamburgo. O estudante Felipe Wachholz Bartz levou o prêmio em Jovem Protagonista de Escola Pública. Ele idealizou o projeto "Traçando o perfil do leitor", no Instituto Federal Sul-RioGrandense (IFSul), de Camaquã.
O Prêmio RBS de Educação é realização do Grupo RBS e da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, com apoio do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec).
Um livro, dois livros, três livros
Pelos corredores do Colégio Marista Pio XII, em Novo Hamburgo, a professora Giséli Lindemann Buerger, 34 anos, recebe como música a frase proferida por alunos que estão no 4º ano do Ensino Fundamental: "Ano que vem, eu vou ser multiplicador", sussurram os pequenos quando ela passa.
Pedagoga formada pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Giséli criou o projeto "Multiplicadores de leitura", em que a cada semana os alunos do 5º ano do Ensino Fundamental da instituição do Vale do Sinos escolhem uma obra para representarem para os colegas de escola.
No início, em 2015, a proposta foi impulsionada pela disposição do aluno Bernardo Santos, hoje no 6º ano. Ao saber que a professora indicaria O pequeno príncipe para leitura, ele comentou que já havia lido o clássico de Saint Exupéry e se disponibilizou a ir fantasiado do personagem para incentivar os colegas a ler.
Dali em diante, a ideia foi ganhando força, e Giséli percebeu que estava frente a uma boa forma de fazer a garotada se interessar mais pelos livros e ampliar o hábito da leitura no dia a dia. Os esquetes têm a intenção de despertar nos outros estudantes o interesse pelas histórias.
Os alunos se esmeram nos figurinos e nos roteiros, o que vem se refletindo em mais visitas à biblioteca da instituição e maior interesse pelos livros.
A professora não esconde o orgulho ao revelar que já encontra alunos que leram todos os volumes de Harry Potter, um dos títulos preferidos da criançada, e o fascínio que histórias clássicas, como Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato, provocaram nas turmas.
– A gente percebe que eles estão lendo muito mais e valoriza o protagonismo deles: são os alunos que escolhem o que vão ler e de acordo com a faixa etária para a qual vão apresentar. São os mais diversos autores e obras – conta Giséli.
A pedagoga, que nasceu em Candelária e também leciona em Ivoti, observa que outras professoras já aplicam a ideia em sala de aula. A vitória dela na categoria Educador de Escola Privada no 4º Prêmio RBS de Educação impulsionou ainda mais a iniciativa e, de alguma forma, serve para encorajar outros educadores, não somente no Colégio Marista Pio XII.
– O projeto já era muito bem-visto, mas ganhar esse destaque mostra que a gente tem potencial para isso – diz Giséli.
Educador Escola Privada
Giséli Lindemann Buerger
Colégio Marista Pio XII Novo Hamburgo
Projeto – Multiplicadores de leitura
Ler ou não ler, eis a questão
Shakespeare para crianças? Por que não? Foi retirando essa dúvida do caminho que o arte-educador Henrique Leal, 26 anos, aproximou o texto teatral dos alunos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Tuiuti, de Osório. O terreno desanimaria qualquer um que não acreditasse no potencial das crianças: a maioria vem de famílias humildes, da zona rural da cidade, e com pouca ou nenhuma intimidade com o universo teatral.
Henrique criou, despretensiosamente, como gosta de ressaltar, o projeto "Ler, pensar e representar" e levou obras que tinha em casa, entre elas títulos infantojuvenis e clássicos, para que as turmas de 4º e 5º anos do Ensino Fundamental lessem e representassem as histórias em peças teatrais.
Os próprios alunos poderiam escolher os livros que levariam ao palco.
– No início, achei que optariam por um texto infantojuvenil, mas quiseram Romeu e Julieta. Então, pensei: "Se escolheram Shakespeare, vamos ressignificá-lo para o universo da escola Tuiuti" – conta Henrique, que formou-se em Teatro pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs) em 2015.
Com um Shakespeare na mão e muitas ideias na cabeça, os estudantes inventaram diálogos, definiram em conjunto o roteiro e apresentaram ao professor, cuja tarefa nesta etapa era só organizar no papel toda a criação da gurizada. Diante do empenho, Henrique alimentou as descobertas. Levou os alunos ao teatro, para ampliarem o domínio da linguagem e a desinibição, incentivou mais leituras e o trabalho coletivo.
– Eles não tinham conhecimento de teatro, e eu precisava mostrar a eles que teatro não é só palco, não é só representar. E eles foram incríveis. E não é só a linguagem teatral, mas a leitura, que foi um instrumento poderoso no conhecimento. Eles me arrebataram – orgulha-se.
O projeto levou os participantes a assistir ao festival de teatro de Osório e a representar no festival de teatro estudantil de Três Coroas neste ano, e ainda revelou o potencial de alguns alunos para o teatro. O arte-educador também aprendeu lições:
– O olhar que tu dedicas a uma criança pode mudá-la para o resto da vida.
Educador Escola Pública
Henrique Leal
Escola Municipal de Ensino Fundamental Tuiuti - Osório
Projeto - Ler, pensar e representar
Uma resposta à falta de leitura
Leitura e pesquisa sempre fizeram parte da rotina de Felipe Wachholz Bartz, 16 anos, mesmo antes de ele ingressar no Instituto Federal Sul-Rio-Grandense (IFSul) de Camaquã. Mas, na instituição federal, ele encontrou um ambiente fértil para suas ideias, e foi por lá que ele implantou o projeto "Traçando o perfil do leitor", em que desenvolveu um questionário online sobre hábitos de leitura dos estudantes.
As perguntas foram aplicadas a quase 90% dos alunos, que responderam voluntariamente. Os dados revelaram que a maioria lia um livro ou menos do que isso por mês. Felipe, ao lado dos colegas Mariana Paim, Alice Duarte, Thalisson Danelon, Maria Eduarda Peres e José Leonardo Medeiros, decidiu criar ações para aproximar a moçada dos livros. O grupo contou com a orientação das professoras Sandra Salenave e Ana Nedel e promoveu uma semana literária no IFSul. Entre as atividades, gincana literária, recitais nos intervalos das aulas, palestras, oficinas e workshops. A escola também ganhou uma geladeira literária, em que "os alimentos" conservados são livros.
– A gente percebeu que a leitura era algo que tinha de ser fortemente incentivado. E o mais importante é que houve uma união pelo projeto – conta.
A iniciativa movimentou o campus de Camaquã e, apesar de ter revelado pouco hábito de leitura, trouxe à tona dados curiosos, que ajudaram Felipe a acreditar na transformação dessa realidade.
O questionário mostrou que o livro impresso ainda tem a preferência das turmas e que os estudantes gostam dos mais variados gêneros literários. Também ficou evidente que pais, amigos e professores são os principais incentivadores da leitura.
Agora, a ideia é refazer o questionário para identificar as influências das atividades promovidas no IFSul nos hábitos de leitura dos estudantes. O plano também inclui compartilhar a experiência com outras instituições, o que, de alguma forma, já começou a acontecer com a criação de uma página no Facebook.
Além da vitória no 4º Prêmio RBS de Educação, o projeto participou do Seminário de Literatura Infantil e Juvenil na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e do Seminário Nacional de Estudos da Literatura (Semel), na UFPel, e também foi destaque no Salão UFRGS.
Jovens Protagonistas
Felipe Wachholz Bartz
IFSul Camaquã
Projeto – Traçando o perfil do leitor