Com a experiência de quem atende aos anseios de filhos em intercâmbio estudantil e seus pais, a psicoterapeuta Dóris Helena Della Valentina, que trabalha no Centro de Atenção Psicossocial (CAP) da PUCRS, fala sobre como os estudantes e seus familiares devem lidar com a distância e com os desafios a que os jovens são expostos.
Brasil é o 10º país com mais alunos em universidades americanas
Currículo mais flexível é vantagem do Ensino Superior americano
Como se preparar para conseguir uma vaga em cursos de graduação nos EUA
Um jovem de 16, 17 anos, ao sair da escola, já está maduro para encarar a vida adulta e independente em outro país?
O processo de separação dos pais e individualização é importante para que eles adquiram elementos mais estruturados das suas identidades, algo que vai se consolidando ao longo da vida e, com mais força, na adolescência. É um marco que precisa ser vivenciado, apesar de vivermos, no Brasil, uma realidade muito protetora dos pais para com os filhos. Isso acirra a necessidade de o adolescente buscar viver sua vida de maneira mais própria. É complicado porque são garotos e garotas que, muito novos, ainda têm necessidades infantis. Mas é fundamental que experimentem coisas novas e assumam responsabilidades. Isso causa uma "overdose" de aprendizagem.
Qual o papel dos pais na preparação para este momento?
Os pais estão sempre muito preocupados com o que pode dar errado. Os jovens têm necessidade de negar esses possíveis perigos. Caso contrário, ficariam presos aos temores dos pais e não viveriam nem experimentariam nada. No Brasil, a realidade das famílias, em geral, proporciona muita acomodação, o que retarda as mudanças. As famílias devem trabalhar a aquisição da autonomia desde que o filho é pequenininho, mas os maiores desafios se apresentam no período entre a adolescência e a vida adulta. Se o jovem não estiver preparado, ele vai ter dificuldades de tomar decisões, ser proativo, capaz de se sustentar, algumas das prerrogativas da vida adulta.
Intercâmbio além da língua: conheça mais opções de estudo no Exterior
Leia mais notícias de educação
Quais as principais vantagens de um jovem ir estudar fora, nos EUA, por exemplo? O que ele pode aprender, para além do que é ensinado na faculdade?
A realidade do jovem americano é construída sob a perspectiva de que ele saia de casa assim que possível. A vida acadêmica dentro do campus, algo muito característico do Ensino Superior americano, é uma experiência ótima para os jovens brasileiros, pois ensina a viver em comunidade. E viver em grupo estimula o enfrentamento de desafios, fortalece a identidade, faz com que ele exercite a tolerância, lide com a frustração, tenha paciência - além de obter um enriquecimento cultural muito forte, pois o lazer também é importante. Ademais, sair de casa significa deparar com demandas práticas: onde morar, como se locomover, se alimentar de quê, lavar a casa, lavar a roupa Coisas que um jovem de classe média se acostuma a receber dos pais ou familiares e, agora, precisa se virar sozinho.
Como os adolescentes devem lidar com a saudade de casa e os pais, com a distância?
É normal que, ao ficarem longe de casa, os jovens sintam falta de tudo aquilo de que reclamavam quando moravam com os pais. A saudade, a ansiedade e a tristeza são coisas com as quais eles vão ter de lidar. Os pais, que antes protegiam, cuidavam e proviam, agora tentam fazer o mesmo, só que de longe. Um dia sem falar com o filho já vira um terror. É importante que os pais se atualizem em relação aos aplicativos tecnológicos que, hoje, facilitam os relacionamentos afetivos à distância. Outra coisa: os pais não se dão conta que os filhos podem estar bem sem eles, e isso pode ser doloroso. É preciso haver um luto de ambos os lados em relação à infância.
O jovem que volta para o Brasil depois de um período longo de estudos no Exterior é quão diferente do jovem que saiu?
Se você ficar em um lugar por um tempo razoável e nada mudar em você, algo está errado. A gente não encontra o mesmo lugar que deixou. Até aquele quartinho na casa dos pais pode ser que não exista mais. Alguns jovens se assustam com isso. Outros já nem mesmo querem dividir a casa com a família. Veem a convivência e as "regras" do lar como uma opressão - ora, não foi à toa que viajaram. Eles aprenderam a lidar com a própria vida e construíram um jeito de cuidar de si, que não é o mesmo de como cuidavam os pais. Em resumo, uma experiência dessas modifica completamente a visão de mundo de um jovem adulto.