O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta quinta-feira (10) que o mercado financeiro fica "nervoso à toa" no Brasil. A declaração foi feita após jornalistas questionarem a respeito da queda de 3,35% na Ibovespa e disparada do dólar em relação ao real. A moeda americana fechou o dia em alta de 4,14%.
— Nunca vi mercado tão sensível como o nosso — disse Lula, na saída do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), sede do governo de transição em Brasília.
— Engraçado que o mercado não ficou nervoso com quatro anos de Bolsonaro — acrescentou, em tom de ironia, se referindo ao atual presidente da República, Jair Bolsonaro (PL).
O dia foi de liquidação dos ativos brasileiros após Lula, em discurso, criticar "a tal da estabilidade fiscal" e defender a ampliação de gastos públicos para combater a miséria.
Ao deixar seu gabinete no CCBB rumo ao hotel onde se hospeda em Brasília, Lula conversou com apoiadores e respondeu, brevemente, a perguntas da imprensa. Questionado sobre a PEC da Transição, que visa abrir espaço no orçamento, o presidente eleito afirmou que não está à frente das negociações.
— Não estou negociando a PEC, quem negocia é Geraldo Alckmin e Aloizio Mercadante — declarou Lula, que retorna ainda nesta quinta a São Paulo.
Questionado por apoiadores sobre dívidas do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), Lula disse que o programa "não é dívida, é investimento".
Bolsa de valores
No Brasil, na contramão do aumento das bolsas de valores no Exterior, o Ibovespa fechou em queda de 3,35%, aos 109.775,46 pontos, após ter chegado a 108.516,46 pontos na mínima da sessão (-4,46%), em nível não visto desde o fim de setembro.
Em porcentual, o grau de ajuste durante a sessão chegou a superar os 3,78% do fechamento de 8 de setembro do ano passado, quando o presidente Bolsonaro, naquele 7 de setembro, havia afirmado que não mais cumpriria decisões do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Nas mínimas do dia, o mergulho era mais profundo também do que o de 8 de março de 2021 (-3,98%), quando as ações contra o agora presidente eleito foram anuladas pelo STF, o que permitiu sua volta ao jogo político.
Afirmações de Lula sobre a necessidade de resgate da dívida social, rumores sobre a possibilidade de que o Bolsa Família (atual Auxílio Brasil) fique de vez fora do teto de gastos, comentários do futuro presidente sobre Petrobras e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e a indicação de que o vice eleito Geraldo Alckmin não deve ocupar ministério derrubaram a expectativa por comedimento na largada da próxima administração, ante situação fiscal, para 2023, que já era vista com reservas pelo mercado.
— Por aqui, houve uma reprecificação do risco fiscal à medida que o novo governo começa a se posicionar e a se estruturar, especialmente no que diz respeito ao teto de gastos. Há muita cautela com a Bolsa neste momento de reprecificação do risco Brasil — explicou Dennis Esteves, especialista de renda variável da Blue3.
O nível de fechamento da sessão, com giro financeiro muito reforçado, a R$ 55,4 bilhões, foi o menor desde o último 29 de setembro, então aos 107.664,35 pontos. Na semana, o Ibovespa acumula agora perda de 7,09%, por enquanto a caminho de seu pior intervalo desde outubro de 2021, quando cedeu 7,28% entre os dias 18 e 22 daquele mês. Em novembro, o índice da B3 cai agora 5,40%, limitando o avanço do ano a 4,73%.
A queda dos preços de ativos brasileiros nesta quinta mostra que o mercado não está disposto a dar o benefício da dúvida ao futuro governo, afirma o economista-chefe da Ryo Asset, Gabriel de Barros.
— Este início de governo está me parecendo muito semelhante ao de Liz Truss na Inglaterra, que propôs um pacote de expansão fiscal bastante grande e foi igualmente punido. O mercado está punindo tanto emergentes quanto avançados que apontam para uma trajetória de insustentabilidade fiscal — avaliou Barros.
Dólar
O dólar disparou no mercado doméstico de câmbio na sessão desta quinta-feira e fechou no maior nível desde julho. Com oscilação de quase 17 centavos entre a mínima (R$ 5,2454) e a máxima (R$ 5,4148), a moeda americana encerrou a sessão em alta de 4,14%, cotada a R$ 5,3966 — maior valor de fechamento desde 22 de julho de 2022 (R$ 5,4988) e maior alta porcentual desde 16 de março de 2020, dia em que foi decretada situação de emergência na cidade de São Paulo em razão da pandemia de covid-19.
O real não apenas amargou, de longe, o pior desempenho entre as divisas globais nesta quinta, como foi a única moeda relevante, ao lado do peso argentino, a perder valor frente ao dólar. O índice DXY — que mede o desempenho da moeda americana frente a seis divisa fortes — caiu mais de 2%, aproximando-se do limiar dos 108,000 pontos.
A queda do real começou pela manhã, com o dólar superando R$ 5,34, em alta superior a 3%, na primeira meia-hora de negócios. Parte do mau humor vinha de fora com a expectativa pela divulgação índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) nos Estados Unidos em outubro. Parte se devia à indefinição sobre a configuração da chamada PEC da Transição.
As palavras do presidente eleito levaram a uma queda adicional dos ativos domésticos. O dólar superou de novo os R$ 5,35 no início da tarde, nível ao redor do qual orbitou até que o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin anunciou novos integrantes da equipe de transição, com o ex-ministro Guido Mantega no time de Orçamento e Planejamento. Foi a senha para uma corrida compradora ainda mais intensa no mercado de câmbio, que levou o dólar a superar sucessivas máximas e correr até o nível de R$ 5,4148 (+4,14%).
Já se sabia que o Mantega participaria do time, mas seu lugar ainda era uma incógnita. Lula planeja recriar o ministério do Planejamento e o nome de Mantega na equipe de transição é visto como prenúncio de um perfil desenvolvimentista à frente da pasta.