Em ano marcado pela tentativa de retomada da economia após o quadro mais grave da pandemia, a renda total dos gaúchos atingiu o menor valor em 10 anos. Em 2021, o rendimento médio mensal no Rio Grande do Sul, levando em conta todas as fontes, caiu 3,4% ante o ano anterior. Os dados fazem parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua: Rendimento de todas as fontes, divulgada nesta sexta-feira (10) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em 2021, a renda real de todas as fontes de recursos dos gaúchos ficou em R$ 2.641. Esse é o menor valor dentro da série histórica do IBGE, iniciada em 2012. O resultado significa que a média do ano passado sofreu corte de R$ 93 em relação ao montante observado em 2020.
A renda média mensal habitualmente recebida somente no trabalho também recuou em 2021 no Estado, caindo de R$ 2.904 para R$ 2.717. Esse tipo de rendimento não leva em conta valores obtidos por meio de aposentadorias, pensões, aluguéis e outros tipos de ganhos. No âmbito da renda per capita, o movimento segue a mesma tendência, com recuo em 2021 e menor valor na série histórica.
O Coordenador da Pnad Contínua no Estado, Walter Rodrigues, afirma que a menor participação de trabalhadores formais no mercado e o avanço dos informais ajudam a explicar essa queda no rendimento. Como a renda do trabalho tem participação importante no geral, a queda nesse indicador acaba influenciando para baixo, segundo Rodrigues:
— A gente observa que os trabalhadores informais geralmente tem um ganho menor do que os trabalhadores formais e isso ajuda a baixar esse rendimento médio, que chegou no menor valor na série histórica.
A economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e especialista em mercado de trabalho Lúcia Garcia, afirma que a queda da renda ocorre diante de um mercado de trabalho que oferece vagas com menores salários. Além disso, e a diminuição dos programas de transferências de renda governamentais também reforçam essa tendência, segundo a economista:
— Nós estamos acompanhando um movimento de regressão na qualidade do trabalho. E outras alternativas de renda, de outras fontes, que surgiram durante a pandemia regrediram e o ganho com o trabalho não foi suficiente para recompor essas perdas do período mais recente.
O professor de economia do trabalho da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Cássio Calvete destaca que a queda na renda média ocorre diante de uma conjunção de fatores que desestimulam a economia do país. Dificuldade de avançar no emprego e escalada da inflação no ano passado estão entre os principais pontos dentro desse processo, segundo o especialista:
— Você junta a precarização do mercado de trabalho com taxas de desemprego e de desalento elevadas, economia engatinhando e início de alta da inflação no ano passado e é óbvio que a renda vai diminuir.
A evolução da renda no Estado acompanha a média nacional, segundo a pesquisa do IBGE. No país, o rendimento médio mensal domiciliar por pessoa caiu 6,9% em 2021 e passou de R$ 1.454 em 2020 para R$ 1.353 - menor valor da série histórica. Os indicadores de renda média do trabalho e de todas as fontes também seguiram essa trajetória em nível nacional no ano passado.
— Esse resultado é explicado pela queda do rendimento médio do trabalho, que retraiu mesmo com o nível de ocupação começando a se recuperar, e também pela diminuição da renda das outras fontes, exceto as do aluguel — explica analista da pesquisa, Alessandra Scalioni.
Alessandra também aponta a mudança nos critérios de concessão do auxílio-emergencial ocorridas em 2021 entra uma das principais causas da queda no rendimento de outras fontes.
Próximos meses
Especialistas avaliam que as âncoras que travam a economia do país, como inflação persistente, juro em alta, e emprego que avança, mas com menor qualidade, criam cenário de dificuldades para a renda das famílias nos próximos meses.
O Coordenador da Pnad Contínua no Estado afirma que, se a tendência observada até agora continuar, os rendimentos do trabalho deverão seguir puxando a renda média total para baixo. No âmbito do rendimento de outras fontes, o Auxílio Brasil pode impactar esse segmento.
A economista Lúcia Garcia, do (Dieese), também estima que a renda média deverá seguir em queda nos próximos meses. A especialista afirma que a precarização do mercado de trabalho, com vagas com salários menores e menos horas trabalhadas, ganhou força na pandemia e segue em trajetória de crescimento. A economista também cita a queda na renda do serviço público dentro desse processo. Lúcia reforça que esse cenário enfraquece a economia, porquê desestimula o consumo.
— Nós devemos ter o ano de 2022 caracterizado por esse pessimismo dos trabalhadores. As pessoas que tem perspectiva de ganhos cada vez menores se aventuram muito menos no consumo.
O professor Calvete, da UFRGS, afirma que as inseguranças que rondam a economia do país diante de uma inflação que segue alta não permitem criar cenário mais otimista para crescimento e renda média melhor.