O cenário marcado por economia em marcha lenta e inflação persistente segue pressionando os salários dos trabalhadores no Rio Grande do Sul neste ano. Dados do boletim Salariômetro, da Fipe, apontam que 64% das categorias pesquisadas no Estado tiveram reajuste em patamar igual ou abaixo da inflação no acumulado deste ano até abril. Ou seja, não tiveram ganho real no período. Os dados do Salariômetro são coletados na página Mediador, do governo federal. O levantamento usa como indicador de inflação o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
O Rio Grande do Sul anotou 338 negociações no acumulado de janeiro a abril de 2022. O reajuste real mediano do total de 28 categorias ficou em cerca de 0%. Das 28 classes pesquisadas, 10 registraram reajuste acima do INPC, 11 no mesmo patamar e sete em nível inferior. Ou seja, 18 (64%) tiveram avanço no mesmo volume ou abaixo da inflação. No país, essa participação é ainda maior, chegando a 87% das negociações informadas no período.
O professor sênior da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Salariômetro da Fipe, Hélio Zylberstajn, afirma que o desempenho das negociações salariais no RS e na média nacional reflete a situação do país, marcada por alta nos preços e crescimento insuficiente da economia:
— O quadro de dificuldade na mesa de negociação para os trabalhadores continua, com a conjunção de inflação alta com pouca atividade econômica.
O supervisor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no Rio Grande do Sul, Ricardo Franzoi, afirma que, além da aceleração inflacionária, a dinâmica do mercado de trabalho no país afeta o resultado das negociações:
— Outra dificuldade é a taxa de desemprego. Quando há combinação de desemprego alto e taxa de inflação elevada e, portanto, não tem crescimento, isso impacta diretamente nos reajustes.
Franzoi destaca que os efeitos da escalada dos preços no orçamento e nos gastos das companhias dificultam a negociação de reajustes. O aumento em alguns itens, como impostos e matérias-primas, reflete no custo do trabalho, segundo o supervisor técnico.
Olhando os dados pelo recorte de categorias, a indústria metalúrgica apresenta a maior alta no reajuste no acumulado de janeiro a abril no Estado. Na outra ponta, o segmento de bares e restaurantes registra a maior queda.
Reflexo
Marcos Lélis, professor da Escola de Gestão e Negócios da Unisinos, afirma que o desempenho por categoria é um extrato da retomada da economia no país. Alguns setores, como o de bares e restaurantes, seguem em recuperação, mas ainda não estão nos mesmos patamares do pré-pandemia, segundo o especialista. Esses grupos acabam tendo menos espaço para negociar reajustes, diz:
— Está muito associado a esse efeito. Os setores que conseguiram voltar mais rápido ao patamar pré-pandemia, estão conseguindo um reajuste maior. Já aqueles que estão com dificuldades nessa retomada, que ficaram muito tempo fechados, vão ter reajustes menores.
Lélis destaca que reajustes abaixo da inflação dificultam o orçamento das famílias, porque muitos produtos sofreram altas acima da média de inflação. Na outra ponta, no âmbito dos empregadores, o economista diz que as empresas enfrentam dificuldades em tentar repassar esse aumento ao mercado.
— Se o empregador dá um aumento de salário, ele tenta repassar isso ao consumidor. Só que ele está enfrentando dificuldade nesse processo, porque a atividade econômica está fraca e ele não consegue transferir esse aumento de custo — explica.
Cenário desafiador para os acordos
Com manutenção da inflação alta, mesmo com desaceleração, e de juro em patamares elevados para enfrentar a alta de preços nos próximos meses, parte dos especialistas projetam cenário menos favorável para negociações entre empregadores e empregados.
O coordenador do Salariômetro da Fipe, Hélio Zylberstajn, afirma que as projeções econômicas do país não permitem estimar cenário agradável no âmbito dos reajustes salariais.
— Os dados estão mostrando que a inflação vai continuar grande para a mesa de negociação. Pode ser que, daqui a alguns meses, a inflação do mês diminua. Mas o que importa é a inflação acumulada. Quando entra uma taxa mensal pequena, ela substitui uma grande lá de trás, mas continuam outras 11 grandes — explica Zylberstajn.
O professor da Escola de Gestão e Negócios da Unisinos, Lélis estima uma atividade econômica do país mais fraca ainda no segundo semestre diante dos efeitos da elevação do juro básico.
— A gente ainda vai ver uma nova acomodação da economia. Vai rodar um pouco abaixo do que é observado agora. Com isso, provavelmente, a gente ainda vai ver dificuldade em conseguir reajustes consistentes nas negociações salariais.
Já o supervisor técnico do Dieese no Rio Grande do Sul, Ricardo Franzoi, afirma que, com a possível desaceleração da taxa de inflação, a tendência é de um cenário menos complicado nas mesas de negociação nos próximos meses.
— A tendência, se tudo acontecer de acordo com as estimativas, é de chegar aos 8% de inflação. Isso já ajuda bastante na negociação.